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Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

09.04.24

PR2 AVT | Memórias dos Moinhos de Alvito | Alvito


Emília Matoso Sousa
28 março 2022
O percurso | 14,8 km (fizemos 18,8), 366 m desnível acumulado, circular
Localidade | Alvito, distrito de Beja
 
O que mais há na terra é paisagem. Por muito que do resto lhe falte, a paisagem sempre sobrou, abundância que só por milagre infatigável se explica, porquanto a paisagem é sem dúvida anterior ao homem e, apesar disso, de tanto existir, não se acabou ainda. Será porque constantemente muda: tem épocas no ano em que o chão é verde, outras amarelo, e depois castanho ou negro.", José Saramago in Levantado do Chão

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E no meio de tanta paisagem, em pleno coração do Alentejo, ergue-se o casario branco da vila de Alvito, que é de onde parte o trilho de hoje, rumo a um conjunto de moinhos de vento, sobreviventes de um tempo em que a produção cerealífera era dominante na região. Uma breve volta pelas principais ruas revela-nos algum património edificado digno de ser explorado com mais atenção, até porque ficamos a saber que em Alvito existe um dos maiores repositórios de Manuelino do Baixo Alentejo. Disso é exemplo o castelo, mas também os muitos pórticos e janelas espalhados pela vila. Da mesma forma, também a pintura mural a fresco abunda por aqui, ao ponto de justificar a existência de um projeto que permite ficar a conhecer toda esta riqueza que, aliás, se estende a outros municípios alentejanos. Fica registado, para visita futura.

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Com uma dimensão pouco vulgar nestas pequenas vilas alentejanas, a Igreja Matriz de N. Sra. da Assunção é verdadeiramente imponente. Edificada em finais do século XIII, e alvo de intervenções nos séculos seguintes, este exemplar de arquitetura tardo-gótica, tem uma grande parte do seu interior revestida por azulejos do século XVII, a par de um fresco renascentista do final do século XV. Pensa-se que haverá mais frescos escondidos por baixo dos azulejos. Como curiosidade, existe uma igreja quase exatamente igual a esta em Viana do Alentejo, no distrito de Évora.

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Onde também há frescos e um conjunto de pinturas murais seiscentistas é na Ermida de S. Sebastião, construída no século XV. O facto de ser dedicada a um santo protetor de epidemias poderá justificar a sua localização fora do centro da vila. Estas pequenas capelas todas brancas e de arquitetura de traços tão 'inocentes' parecem-me casinhas de brincar. Infelizmente, não conseguimos visitar nenhuma das duas. Por esta altura, o que nos surpreende é encontrar alguma igreja aberta, seja onde for.

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Há ainda o castelo, propriedade da Casa de Bragança e a funcionar como Pousada de Portugal desde 1993, situado no centro da vila. A sua arquitetura é um misto de fortaleza militar e residência apalaçada, tendo a sua construção iniciado no reinado de D. João II e terminado no de D. Manuel I, no início do século XVI. Combina vários estilos, com elementos góticos, manuelinos e de inspiração islâmica.

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Havemos de voltar a Alvito para explorar a Rota do Fresco, mas agora a missão era outra. Explorar a tal paisagem que parece não ter fim. Contornamos o castelo e entramos em caminhos rurais. É bastante curiosa esta sensação de cruzarmos os limites das localidades, algo que nas grandes cidades é quase impossível. De repente, deixa de haver casas e começa o campo com os seus previsíveis caminhos de terra batida. Passamos por alguns montes e por propriedades de olival tradicional e sobreiros. Esta é também uma zona de olival e de montado.
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Os sobreiros são árvores particularmente bonitas, com os seus troncos a formarem ramificações incríveis. Aqui e ali, terrenos de pastagem e rebanhos a usufruir dos mesmos. O colorido das flores silvestres dizem-nos que a primavera já chegou, apesar de estar um dia pouco brilhante e dos pingos de chuva que caem de vez em quando. As estevas dão um toque especial ao cenário. São lindas! 
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Quando tudo parecia correr bem, somos confrontados com uma cancela a impedir-nos de prosseguir, já que íamos entrar em propriedade privada. Sem qualquer tipo de sinalética, habitual nestas situações, e receosos de que houvesse gado bravo por perto, decidimos telefonar para o posto de turismo. Afinal, a sinalética apenas tinha desaparecido, pelo que podíamos continuar. É muito comum, no Alentejo, ter de se atravessar propriedades privadas, mais do que noutras zonas do país. Sabemos que em determinada altura do trilho iremos encontrar um desvio que nos conduzirá às ruínas da uma capela do século XVI, a de S. Pedro. Estamos no meio de nenhures, com árvores e arbustos por todos os lados, a quilómetros de qualquer resquício de civilização... como é possível que ali tenha sido erguida uma capela? A verdade é que, por deficiência da sinalização, não fletimos onde seria suposto e acabamos por percorrer mais um ou dois quilómetros. Enfim... Convencidos de que, provavelmente, não havia quaisquer ruínas ou que, havendo, seria algo muito rudimentar, decidimos voltar para trás. E eis que descobrimos o acesso. Trata-se, no entanto, de uma subidinha 'jeitosa', pelo meio de mato e arbustos bastante incomodativos. Mas valeu a pena. Surpreendentemente, deve ter sido uma capela muito bonita, tendo em conta o que se consegue perceber da estrutura que resta e das magníficas pinturas murais do seu interior, que datam do século XVII. Além disso, a vista, dali, é deslumbrante. Que coisa irreal! Sem dúvida, um dos pontos altos do dia. 

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Retomamos o trilho e continuamos até chegar a uma estrada asfaltada, que deixamos pouco depois para seguir novamente por caminhos rurais, ora subindo, ora descendo... Quem diz que no Alentejo é tudo plano? Finalmente, chegamos ao Monte das Cabras, que é onde se situam os moinhos de vento. No alto do monte, pois claro, para aproveitarem bem o vento. Atualmente, já não estão em funcionamento e alguns até foram restaurados e transformados em habitações, mas no final do século XIX e início do século XX fartaram-se de fazer farinha. Numa era em que as tecnologias fazem tudo, o pensável e o impensável, o possível e o impossível, o que, eventualmente, nos surpreende é a arte e o engenho destes mecanismos, aparentemente rudimentares, mas tão assombrosamente inovadores. Como é que alguém terá tido a ideia de aproveitar o vento como força motriz?  

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A empreitada estava a terminar e o destaque do regresso a Alvito vai para a parte final do trilho, que percorre um caminho rural dito histórico, já que é feito através de oliveiras centenárias, o que se percebe pelos formatos peculiares dos seus troncos.

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