O percurso de hoje começa 'no período Neolítico', ou seja, junto a uma anta, a da Pedra da Orca, também conhecida como Anta do Rio Torto, por se situar na freguesia com o mesmo nome. O monumento, de dimensão considerável, é visível quando se circula na Estrada Nacional N17, pelo que facilmente se pode visitar sem necessidade de qualquer desvio. Curiosamente, e à semelhança de muitos outros monumentos desta natureza, encontra-se numa propriedade privada, porém de livre acesso.
Vamos andar em torno de Rio Torto, uma localidade que foi buscar o nome ao rio que ali corre. Terá sido também, certamente, graças ao rio que aquele território foi ocupado e povoado. A existência de poldras e de uma ponte medieval dá-nos a indicação de que, desde cedo, se concretizaram formas de o atravessar. A paisagem humanizada, onde não faltam vinhedos e olivais, identifica, desde logo, o modo de vida de quem por lá foi ficando.
Dirigimo-nos à povoação, a cerca de um quilómetro de distância, por uma estradinha muito bonita. Vale a pena percorrer as ruas de Rio Torto. Uma aldeia tipicamente beirã, com casas de arquitetura vernacular e tradicional onde não falta granito e onde ainda são visíveis as antigas e caraterísticas construções de dois pisos, em que o piso térreo era reservado para alojar animais (as lojas, como ali se diz) e para arrumos. Entre o seu casario, destaca-se o Solar da Família Boffa Molinar. Um bonito solar dos finais do século XVIII, de construção robusta e austera, a que não falta uma capela, datada de 1748. Atualmente, funciona como Turismo de Habitação.
Prosseguimos o nosso percurso, passando pela ponte medieval e dirigindo-nos ao Monte Aljão, sempre por caminho ascendente, ora florestal, ora rural, até chegar a uma altitude que nos mostra um horizonte a perder de vista.
O cenário que nos espera lá em cima é magnífico. As giestas cobrem a paisagem de branco, como se de neve se tratasse, e formações graníticas vão surgindo de todo o lado, desde lajes imensas até grandes blocos de formas variadas. Acabámos por não encontrar vestígios da necrópole medieval nem as sepulturas rupestres que sabíamos existir por ali. Frequente e infelizmente, estes vestígios históricos não se encontram assinalados, tornando-se difícil localizá-los, escondidos que estão pela vegetação. Ainda assim, não damos os nossos passos como perdidos, pois a grandiosidade daquela paisagem valeu cada centímetro daquela cansativa subida. A paisagem natural e as vistas desafogadas para a Estrela são o ponto alto deste trilho. Na verdade, as cambiantes da paisagem serrana são imensas e a primavera dá-lhe notas fotográficas. Esta é, aliás, a melhor altura para fazer este trilho, pois a ausência de sombras em grande parte dos trajetos torna-o desaconselhável para a estação mais quente que, naquela zona, não é suave.
No regresso a casa, ainda houve tempo para um 'saltinho' à Ponte das Cantinas, uma ponte muito peculiar só com um arco que liga (ligava) as duas margens da ribeira de Cativelos, afluente do rio Mondego, no concelho de Gouveia. Tanto quanto conseguimos saber, não há certezas quanto à sua antiguidade, mas poderá ser romana. Apresenta sinais de degradação e de alguma fragilidade e a proximidade de ruínas de um moinho revelam que, num passado remoto, terá havido por ali muito vaivém. O acesso não é óbvio nem fácil, pois reclama uma descida pouco agradável e tomada por vegetação. Mas uma vez chegados à margem da ribeira, que ali corre selvagem sobre rocha, a nossa surpresa não podia ser maior. A água a rodopiar e a enrolar-se nas várias marmitas de gigante ali 'esculpidas' e as pequenas poças de água cristalina são um espetáculo verdadeiramente deslumbrante. Mais um recanto incrível, ali mesmo ao lado da estrada N232, que vai de Gouveia para Mangualde, a reclamar maior atenção. Quem diria?