09.01.24
PR3 NLS Percurso Caldas da Felgueira
Emília Matoso Sousa
6 abr 2022
12 Km | Circular | 294 m desnível acumulado | Fácil
Localização: Caldas da Felgueira, localidade localizada no concelho de Nelas, distrito de Viseu.
Boas águas, bons ares, boas vistas...
Hoje, vamos andar por Caldas da Felgueira, não para ir a águas, mas para apreciar a beleza natural do seu território, com passagem e paragem em alguns momentos interessantes da sua história. No entanto, se o objetivo da nossa visita fosse usufruir dos benefícios das águas termais que aqui são famosas, certamente não nos arrependeríamos. A imponência dos edifícios do Grande Hotel e da Estância Termal evidenciam o charme de uma época em que a boa tradição hoteleira apostava numa arquitetura de traços clássicos e austeros. O enquadramento privilegiado faz o resto. É que a localidade está situada em pleno vale do Alto Mondego, emoldurada pelas serras da Estrela, Buçaco e Caramulo. Boas águas, bons ares, boas vistas... que mais podemos desejar?
Cura, Bem-Estar, Equilíbrio e Beleza. O poder das águas...
As das Caldas da Felgueira prometem curar maleitas de foro respiratório, mas também músculo esqueléticas e reumáticas. Atualmente, na era dos SPA, as tradicionais termas tiveram de complementar a sua oferta com programas orientados para o bem-estar, beleza e estética. Modernização oblige! Mas só em meados do século XIX, em 1867, após devidamente analisadas e apresentadas na Exposição Universal de Paris, é que a importância terapêutica destas águas foi reconhecida. A partir daqui, foi, então, possível, fundar a Companhia das Águas Medicinais das Caldas da Felgueira, a que se seguiu, em 1886, o nascimento da Nova Companhia do Grande Hotel Club das Caldas da Felgueira.
É daqui que partimos para o nosso trilho, não sem antes registar, mentalmente, a intenção de, um dia, experimentar aquelas terapias.
A poucos passos do complexo termal, passamos pela antiga Pensão Maial, hoje abandonada, mas com um passado que lhe confere estatuto de edifício histórico. Isto porque após o final da II Guerra Mundial deu acolhimento a refugiados alemães e familiares de altas patentes nazis, com tudo pago, reza a história, pela polícia política portuguesa, vulgo PIDE, que tão más memórias a todos deixou.
Na verdade, foram muitos os alemães que, nessa altura, se recolheram na Beira Alta, tendo esta pensão recebido mulheres alemãs e os respetivos filhos. Compreensivelmente, a situação não foi bem recebida pelas povoações locais, massacradas e amarguradas pelas dificuldades e sacrifícos impostos pela guerra. Que sentido fazia acolher os responsáveis por tamanha calamidade? O descontentamento foi grande e há relatos de que só não se chegou a 'vias de facto' por se tratar de mulheres e crianças. Com o passar do tempo, os ânimos foram acalmando, mas restou sempre uma certa estranheza relativamente a este apoio dado ao 'inimigo', até porque Portugal tentou sempre manter uma postura de neutralidade durante este conflito de abrangência mundial. Histórias da história que nos vão surpreendendo nos recantos menos prováveis...
Seguimos caminho para, logo de seguida, entrar na povoação, que atravessamos antes de, já por caminhos florestais, iniciar a subida da serra. As vistas começam a tornar-se amplas e a localidade começa a transformar-se numa mancha de casinhas no meio do vale.
A floresta é, aqui, maioritariamente composta de eucaliptos e alguns pinheiros bravos. A aproximação à ribeira do Vale do Gato altera este panorama, oferecendo-nos uma refrescante mata onde predominam os carvalhos, o que torna este trajeto muito mais agradável do que o anterior. Nada se compara à beleza de uma floresta de árvores autóctones! À beleza e à frescura que, naquele dia, era particularmente bem-vinda, pois as temperaturas já começavam a aquecer.
Atravessada a ribeira, e sempre a subir, dirigimo-nos ao Folhadal, outra freguesia de Nelas, cuja paisagem é marcada por campos predominantemente agrícolas. Até lá, o esforço da subida vai sendo compensado pela abertura de perspetivas panorâmicas cada vez mais amplas e bonitas. O amarelo e o branco das giestas já começa a colorir a paisagem.


Junto à localidade, espera-nos a Laje Grande, cuja dimensão justifica o nome. Que massa de pedra imensa! Não restam dúvidas de que, por ali, o granito é rei. Subimos ao topo da laje, que funciona como miradouro, e as vistas a que temos acesso são indescritíveis.

Encontramo-nos a 395 metros de altitude, num território que, juntamente com os outros que a nossa vista alcança, se situa na chamada Plataforma da Beira Alta ou do Mondego. Sim, o vale do Mondego está ali bem perto. Uma superfície ampla 'esculpida' pelos rios Dão, Mondego e seus afluentes, que se prolonga desde a Serra da Estrela até à do Caramulo. Ficamos por ali alguns minutos a contemplar aquela beleza imensa. Em silêncio, pois nestas alturas tudo o que se disser nunca será suficiente.

Iniciamos a descida até ao vale do Mondego, fazendo uma paragem junto à Orca do Folhadal, um sítio arqueológico que terá a sua origem no Neolítico Antigo (c. 5500-4000 a.C) e que terá sido alvo de nova ocupação já durante o Neolítico Médio (c. 4000-3600 a.C.).

O dólmen está bastante destruído, mas são bem visíveis os sinais de que, lá muito atrás, houve ali uma pequena aldeia de cabanas elipsoidais. Estes locais causam-me sempre alguma perplexidade, pois se já é difícil imaginar que, na atualidade, alguém consiga viver naqueles territórios ermos e pedregosos, como seria há milhares de anos...

A descida leva-nos até uma zona onde predomina a vinha. Hectares e mais hectares de vinhedo que fascinam pela geometria do seu arranjo. Placas informativas identificam as castas. Jaen, Alfrocheiro, Encruzado, Tinta Roriz, Touriga Nacional... As castas principais dos vinhos do Dão, pois então.



Reservamos os momentos finais para espreitar a Ribeira da Patanha e a sua cascata. Infelizmente, no local onde nos encontravamos, o acesso é feito através de propriedade privada (do hotel), pelo que apenas conseguimos um vago vislumbre...
O dia terminou com a degustação de produtos regionais num estabelecimento local que nos surpreendeu pela qualidade e variedade da sua oferta. O proprietário, em tempos profissional na indústria mineira local (Urgeiriça), e pessoa muito ativamente envolvida na causa da (des)contaminação do urânio, proporcionou-nos algumas histórias muito interessantes sobre o tema. Conversa puxa conversa, já se sabe, e após ficar a par da minha proveniência de terras do Alentejo, eis que o nosso interlocutor se declara grande conhecedor e apreciador do cante. E não é que, de repente, começou a cantar várias 'modas'? Mais, fez parte da comitiva que levou à sede da sede da UNESCO, em Paris, a candidatura do cante alentejano a património imaterial da humanidade. Mas a maior surpresa surgiu quando cantou o hino dos mineiros, que nós conhecíamos e tínhamos como certo que o mesmo era exclusivo dos mineiros de Aljustrel. Estamos sempre a aprender...