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Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

05.05.23

PR14 Trilho da Aldeia Mágica (Drave) - Parte II


Emília Matoso Sousa

Data: 1 de março 2023
O percurso
4 Km (mais 4 Km de volta) | Linear | 403 m desnível acumulado | Grau dificuldade: fácil
Pontos de interesse | Drave; Serra da Arada
Observações
Não sendo difícil, reclama algum esforço de subida; não deverá ser feito em épocas de calor, pois não há sombras.

Na cidade, as casas fecham a vista à chave, / Escondem o Horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu, / Tornam-nos pequenos, porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar…”, Alberto Caeiro in O Guardador de Rebanhos

20230301_114436.jpgÉ em Regoufe que se inicia a caminhada de cerca de quatro quilómetros até Drave, que se percorrem em cerca de duas horas, dependendo das paragens (mais duas para o regresso). Tem cerca de 20 habitantes, um café (Café Montanha) e um restaurante (O Mineiro), que só funciona por marcação, e onde, dizem, se deglutem deliciosas refeições preparadas com produtos regionais, onde não faltará o cabrito e a vitela (a de Lafões). Estes locais remotos levam-me sempre a questionar onde e como é que aquelas pessoas fazem as suas compras, para lá de tudo o que cultivam nas suas hortas e do gado que criam. Mas a verdade é que está tudo controlado. Há todo um conjunto de vendedores ambulantes que, nas suas carrinhas, fazem chegar às aldeias todo o tipo de produtos. Quem quer, e pode, vai a Arouca ou a São Pedro do Sul.

20230301_164406.jpgQuem quiser ter a experiência do que é viver num local ‘de outra dimensão’ (tipo twilight zone), esta é a aldeia, ou melhor, uma das aldeias, já que há várias por aqui.

As subidas, ai, as subidas...
Saímos de Regoufe atravessando uma pequena ponte, depois de passarmos por um portão que deverá estar sempre fechado, e imediatamente somos ‘presenteados’ com uma subida nada simpática, não apenas pela elevada inclinação, mas também pela péssima qualidade do piso. Pedras e mais pedras de tamanhos e formas irregulares, ainda por cima, soltas. Quando me deparo com uma destas subidas, além de proferir ‘alguns’ impropérios (mentalmente, claro, mais por falta de fôlego do que por pudor), pergunto-me sempre que necessidade tinha eu de ‘me meter naquilo’.

20230301_110544.jpg20230301_111146.jpgÉ que se não fossem as subidas, nunca teria acesso às melhores vistas. Quem o diz é o ZM e está certíssimo. E o que nos esperava no topo desta subida estava para lá de tudo o que se possa escrever. O primeiro impacto é de puro deslumbramento. Parados, ficamos a olhar, apenas, em silêncio. Que montanhas maravilhosas, magnetizantes, mágicas… Arredondadas, onduladas, sobrepostas em várias camadas… Montanhas de xisto, bem visível em alguns pontos mais escarpados, mas maioritariamente ‘alcatifadas’ por uma vegetação rasteira (talvez fruto de incêndios), por enquanto ainda verde.

20230301_114513.jpg20230301_115511.jpg20230301_144025.jpg20230301_144154.jpg20230301_144833.jpgÀ exceção de algumas urzes, que já começaram a florir, como a anunciar a mudança de ciclo, com a chegada da primavera. Não tarda, irá também florir a carqueja e toda a serra ficará 'forrada' de amarelo e lilás, num espetáculo de cor que é o cartão de visita da região. Do topo da subida até Drave, o caminho é quase sempre a descer. E sempre rodeados por esta paisagem. O único ponto dissonante, sinistro até, daquele cenário sublime e mágico é o parque eólico que se vislumbra ao longe no topo da Arada… Não fora esta marca de ‘civilização’, e tudo ali seria natureza em estado puro. Ora, nos tempos atuais, juntar ‘civilização’ e natureza na mesma frase nem sempre é consensual. Desde logo, porque o termo ‘civilização’ tem hoje significados que o distanciam da sua primitiva definição que opunha a condição de civilizado à de selvagem. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e mudam-se os significados… A verdade é que, em nome do desenvolvimento, chegámos a um ponto em que uma sociedade será tanto mais ‘civilizada’ quanto mais bem cuidar das suas riquezas naturais. E é bom que o faça, já que o prazo de validade do nosso planeta poderá esgotar-se antecipadamente.
E é entre reflexões e outras considerações que nos aproximamos do nosso destino. Encaixada num vale, com as suas escuras casas de xisto e lousinha, só com muita atenção conseguimos vislumbrar a Aldeia Mágica à distância. Apenas uma capelinha branca, de alvenaria, se destaca.

20230301_121459.jpg20230301_125258.jpgEm determinada altura, devidamente assinalada, voltamos à esquerda e entramos na reta final. Um caminho muito bonito, é verdade, mas com um piso extremamente irregular e desconfortável, devido à sua composição rochosa e pedregosa. Marcas de rodados de carroças mostram que ali já houve movimento… Como seria possível? É também por aqui que começam a surgir algumas árvores.

20230301_122329.jpg20230301_123956.jpg20230301_124053.jpg20230301_124306.jpgA maior parte do percurso não tem uma única sombra e a exposição solar é grande, pelo que imagino que deve ser penoso fazê-lo no verão. E eis que chegamos a Drave. Perdida no mapa, perdida na serra, perdida no tempo. Zero habitantes, visitantes, apenas nós. Sinais de vida (humana), apenas os que identificam as casas ocupadas pelo Corpo Nacional de Escutas, que ali instalaram a sua "Base Nacional da IV" e levam a cabo atividades diversas, ao mesmo tempo que vão recuperando algum edificado. Na capelinha, de seu nome N. Sra. da Saúde, uma placa informa que foi mandada construir pela família Martins, que terá sido a mais numerosa da aldeia e também a última a abandoná-la, deixando para trás o seu solar, hoje também em estado de aparente abandono. Percorremos as ruelas e vamos imaginando como terá sido a vida daquelas pessoas? Não creio que a considerassem mágica. O som de água a correr dá uma nota relaxante e refrescante ao ambiente, num dia em que o Sol já aquecia bem. Seguimos o som da água, pois tudo indicava que, por perto, haveria cascatas.

20230301_125206.jpg20230301_131357.jpg20230301_131639.jpg20230301_132857.jpg20230301_133313.jpg20230301_133405.jpg20230301_134153.jpgDescemos até à ribeira, a de Palhais, e deparámo-nos com uma pequena zona ribeirinha com recantos maravilhosos. Árvores, sombras, uma pequena cascata e uma lagoa de água azul cristalina que, no verão, deve convidar a belas banhocas. Quando há água... parece que no verão nem sempre há!

20230301_132148.jpg20230301_132658.jpg20230301_134803.jpg20230301_134911.jpgQuem quer que tenha criado aquele espaço, fê-lo num momento de grande inspiração. Todas as peças estão no sítio certo: as montanhas, as casinhas, as cascatas, as lagoas… Compreende-se bem por que motivo uma aldeia em ruínas, de difícil acesso, e sem qualquer tipo de estrutura atrai tantas pessoas. Tudo o que lá se sente é boas energias, paz, tranquilidade, vontade de ficar mais um pouco, vontade de voltar. Será isso a Magia? Acredito que sim. E quem quiser lá acampar pode fazê-lo gratuitamente, apenas se comprometendo a deixar tudo tal como encontrou. Deve ser uma experiência e tanto!

20230301_134833.jpgO regresso a Regoufe faz-se pelo mesmo caminho, agora com o Sol a dar tonalidades diferentes à paisagem e a fazer brilhar as diferentes linhas de água que cortam a serra em direção ao rio que corre no vale. Bonito e inspirador, e, sem dúvida, um dos trilhos mais bonitos que fizemos. A tarde terminou com a degustação de algumas iguarias regionais no Café Montanha, onde fomos muito bem recebidos por uma anfitriã muito simpática.

20230301_154835.jpg20230301_155337.jpgUm pulinho a Fujaco
Portugal, sendo pequenino, tem uma capacidade inesgotável de nos surpreender. Seja pela variedade da sua paisagem natural, seja pelas suas aldeias, algumas tão bem escondidas que só por mero acaso se conseguem encontrar. Alguém nos sugeriu que visitássemos Fujaco, uma pequena localidade de São Pedro do Sul, com menos de 50 habitantes, empoleirada, literalmente, numa encosta da Serra da Arada. No regresso de Drave, lá fomos nós.

20230301_175343.jpg20230301_175644.jpg20230301_175801.jpg20230301_175810.jpgOlhar para a aldeia a partir da estrada, onde deixamos o carro, obriga-nos a dobrar completamente o pescoço. Como é que alguém se lembra de construir uma povoação naquele sítio é a primeira questão que nos assalta! Não dá para descrever a inclinação daquelas pequenas ruelas tão apertadinhas em que não entra carro. "Muito bonito para os de fora. Se estivessem cá todos os dias, não gostavam tanto". Quem o disse foi um simpático habitante com quem nos cruzámos e com quem trocámos dois dedos de conversa. Disse-nos ainda que há algumas casas a serem recuperadas por novos compradores que, desta forma, encontram um refúgio secreto num local verdadeiramente mágico e remoto. Com as suas casinhas de lousa e xisto tem, de facto, algo de encantador, mas, tendo em conta as subidas e descidas, sou tentada a concordar com o nosso informador. Apenas para ir lá visitar!

Para nós, a visita ficou já 'marcada' para a primavera. Queremos tanto ver a serra em flor!!!

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