Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

10.04.23

PR1 SAT: Rota do Míscaro (Sátão)


Emília Matoso Sousa
Data: 8 maio 2022
O percurso | 18 km (fizemos 20)   |   Circular   |   426 m desnível acumulado   |   Grau dificuldade: moderado
Pontos de interesse
Santuário de Nº Sr. dos Caminhos; Rio Vouga; Moinho de água; Convento do Sr. Sto Cristo da Fraga; Geoformas graníticas da Serra da Fraga; Capela de S. Matias e miradouro natural; Convento de Sta. Eufémia; Praia Fluvial do Trabulo 
Localidade
Rãs | Aldeia portuguesa pertencente à Freguesia de Romãs, concelho de Sátão, distrito de Viseu
 
Tricholoma equestre, míscaro-amarelo ou, apenas, míscaro. É um cogumelo amarelo, nasce espontaneamente na natureza, geralmente em pinhais, e faz as delícias de muitos apreciadores. E deve gostar dos fantásticos pinhais de Sátão, pois cresce ali ao ponto de conceder à vila o epíteto de Capital do Míscaro. Era por ali que hoje iríamos andar, tendo como pano de fundo paisagens belíssimas, em grande parte, enquadradas pela bacia hidrográfica do Vouga. 

20220508_095033.jpg

O ponto de partida é em Rãs e, logo aí, somos surpreendidos por um santuário. O que primeiro ‘salta à vista’ é um conjunto de 15 enormes e enigmáticas colunas de granito, aparentemente, sem qualquer funcionalidade. Aparentemente e efetivamente! Consta que seriam para suportar uma estrutura de apoio a peregrinos, cuja cobertura terá sido roubada. Há, no entanto, quem diga que a obra não chegou a ser concluída por falta de dinheiro. Um pouco de mistério é sempre bem-vindo!!

20220508_093808.jpg

Santuário de Nosso Senhor dos Caminhos
Não estávamos à espera de encontrar um santuário com a dimensão deste. Ficámos a saber que é palco de uma das maiores romarias que se realizam na Beira Alta (8º domingo depois da Páscoa), sendo as outras as da Nossa Senhora dos Remédios (Lamego) e da Nossa Senhora da Lapa (Sernancelhe). É, aliás, no culto a esta última que está a sua origem, já que era neste local que paravam para descansar os peregrinos e almocreves que, ladeando o Vouga, se dirigiam ao Santuário da Senhora da Lapa. Ora, naqueles tempos (século XII), as deslocações eram feitas a pé e em condições de segurança bastante vulneráveis, o que levava os ‘viajantes’ a recorrer às suas crenças religiosas em busca de proteção divina. Neste caso, a ajuda era pedida ao Senhor dos Caminhos, a favor de quem criaram um pequeno nicho onde depositavam pequenos contributos. E foi com estes ‘donativos’ que se construiu uma pequena capela. A igreja maior só nasceu por volta de 1909, passando a anterior a ser dedicada a Nossa Senhora dos Verdes, protetora das colheitas e do gado doméstico.

20220508_094203.jpg20220508_094103.jpg20220508_093609.jpg20220508_093934.jpg

É, na verdade, um centro religioso muito aparatoso e apetrechado com um conjunto de estruturas destinadas aos peregrinos e devotos, designadamente espaços ajardinados e zonas arborizadas com mesas e bancos para piqueniques. No centro de uma pequena praça, um conjunto de estátuas homenageia os quatro evangelistas: João, Mateus, Lucas e Marcos. A igreja estava fechada. Por incrível que possa parecer, nestes locais, a abertura das igrejas depende da boa vontade de algum ‘paroquiano’ mais disponível. Numa estrutura com a dimensão deste santuário, essa disponibilidade implica assegurar a limpeza e bom funcionamento, por exemplo, de instalações sanitárias… Segundo alguém nos disse, não é algo que se resolva facilmente.

20220508_094600.jpg20220508_093746.jpg20220508_094759.jpgIniciamos, então, o nosso percurso, seguindo por uma estrada asfaltada muito bem desenhada entre árvores, até cruzarmos a ribeira da Brazela, que vem de Aguiar da Beira e desagua no Vouga, e entrarmos em caminho rural. A ribeira, com a sua rica galeria ripícola, forma um corredor verde visualmente agradável, ao mesmo tempo que assegura a sobrevivência e variedade da fauna ali residente. As giestas, já todas em flor, cobrem a paisagem de branco. 

20220508_100413.jpg20220508_102058.jpg
20220508_102707.jpg

20220508_100734.jpg

Convento do Sr. Santo Cristo da Fraga
Prosseguimos por caminhos rurais e os prados verdes fazem antever a presença de rebanhos, uma visão bucólica sempre muito relaxante. É primavera, pelo que é frequente encontrá-los. Entramos numa zona florestal, e chegamos a um velho moinho em bom estado de conservação que, em conjunto com uma pequena ponte de madeira, que atravessamos, faz um apontamento muito pictórico.

20220508_103505.jpg

20220508_104520.jpg20220508_110446.jpg20220508_111201.jpg20220508_110933.jpg

Pouco depois, por uma ponte de pedra, cruzamos o Vouga e iniciamos a subida que nos leva ao Convento do Sr. Santo Cristo da Fraga, lá bem no alto, sensivelmente a meia encosta da Serra da Fraga, num maciço granítico. Este antigo convento franciscano teve origem numa ermida erguida por volta de 1741, no local onde dois moleiros, em busca de pedras para mós, haviam descoberto uma imagem de Cristo crucificado esculpida numa fraga. Como se sabe, a divulgação destas descobertas miraculosas gerava grande afluência de peregrinos, os quais necessitavam de estruturas de apoio, o que deu origem à Casa da Romagem. Em 1749, o templo foi doado aos Religiosos Capuchos de S. Francisco da Província da Conceição, que fundaram um hospício, construindo várias dependências e elevando-o mais tarde (1779) à categoria de convento regular. Atualmente, apenas restam as ruínas do antigo convento, uma conduta de água utilizada na altura, e a Casa de Romagem. Do santuário, destacam-se a frontaria da igreja e os retábulos do interior, de talha dourada barroca, rococó e revivalista.

20220508_113419.jpg20220508_113401.jpg20220508_113549.jpg20220508_120006.jpg20220508_120226.jpg20220508_120243.jpg

Serra da Fraga acima…
Tudo seria tão mais simples se não houvesse subidas! Claro que, depois de ultrapassadas, compensam-nos com as melhores vistas, pelo que, rapidamente, as perdoamos. A subida da Serra da Fraga faz-nos perder o fôlego duplamente. Pelo esforço e pela beleza das paisagens. E se as vistas para o vale do Vouga são deslumbrantes, as imagens coloridas que nos acompanham até ao topo da Fraga não lhes ficam atrás. Definitivamente, é um daqueles trajetos que perduram na memória.

20220508_122338.jpg20220508_123038.jpg20220508_123136.jpg

Segue-se um caminho florestal recheado de afloramentos graníticos constituídos por enormes penedos e geoformas únicas, quais esculturas artisticamente moldadas por mãos sobrenaturais. Como terão ‘nascido’ ali? Supostamente, devido à erosão, ao longo do tempo, dos solos e estratificações que cobriam as rochas. Não restam dúvidas de que a natureza é extraordinária!

20220508_132936.jpg20220508_133344.jpg20220508_133639.jpg

Serra de S. Matias e sua capela altaneira
É já no cume de um monte (Serra de S. Matias), que vamos encontrar a capela com o mesmo nome. Um ponto branco no meio de manchas e manchas de rocha, a uma altitude de 729 metros, assim é a capela de S.Matias. Aproveitamos a paragem para descansar um pouco, ao mesmo tempo que nos deixamos seduzir pelo magnífico cenário. E que cenário! Vistas privilegiadas sobre a freguesia de Ferreira de Alves, com os seus prados e campos agrícolas geometricamente trabalhados, bem como sobre boa parte do concelho de Sátão. Dali se avistam também, em fundo, as serras de Leomil, Montemuro, Caramulo, e Estrela. Um vértice geodésico marca o ponto mais alto, que atinge os 744 metros. 

20220508_134854.jpg20220508_135017.jpg20220508_135033.jpg20220508_135041.jpg

O mais antigo convento da Beira

Seguimos caminho, entre rochedos, floresta e campos agrícolas, e chegamos ao antigo e monumental Convento de Sta. Eufémia, convento de religiosas beneditinas de clausura, situado na freguesia de Ferreira de Aves, implantado sobre a ribeira do Convento. Foi fundado no século XII (1111) e foi comunidade de eremitas até 1136, e chegou a abarcar igreja, capela, torre sineira e mirante, hospedaria, residência do capelão, fonte, pelourinho, casas dos moinhos e vastos terrenos nas imediações. Apesar das várias intervenções de que foi alvo ao longo dos séculos, infelizmente, chegou aos nossos dias em muito mau estado de conservação, mantendo a igreja os portais românico-góticos originais, bem como as paredes interiores revestidas de azulejos do tipo tapete do século XVII. Foi extinto em 1891, por morte da última religiosa.

20220508_141139.jpg20220508_141754.jpg20220508_145505.jpg20220508_150115.jpg20220508_150429.jpg

Escudos e losangos
Uma pedra de armas em forma de losango colocada na capela chama a nossa atenção,  mas a explicação surge depressa. É que, já no século XVII, uma das reformas levadas a cabo no convento e capela de Santa Eufémia foi empreendida por duas mulheres, o que lhes deu o direito de colocar as suas armas na capela. Armas que não podiam estar dentro de um escudo, já que as mulheres não iam à guerra. As armas femininas eram ostentadas dentro de losangos, numa clara distinção entre homens e mulheres. Coisas de outras eras…

20220508_151152.jpg

Vai um mergulhinho?
Voltamos ao caminho e, por área florestal, chegamos novamente ao Vouga, que atravessamos sobre poldras. Maravilha! Mais uma pequena caminhada e eis que chegamos à praia fluvial do Trabulo. Um fantástico espaço de lazer, integrado numa zona rica em fauna e flora, que permite tirar todo o partido do rio Vouga, ali transformado num refrescante espelho de água. Só não mergulhámos, porque não íamos equipados para tal, mas tendo em conta a temperatura bem primaveril, seria a forma perfeita de terminar o dia. 

20220508_160150.jpg20220508_160736.jpg20220508_161252.jpg20220508_162331.jpg20220508_162139.jpg

O rio Vouga, ou Vouguinha como lhe chamam no seu início, tem a particularidade de se apresentar de três formas diferentes: da Serra da Lapa, onde nasce a 930 metros de altitude, até S. Pedro do Sul, é rio de planalto; é de montanha na região de Lafões; e é de planície no seu final. 

Não desfrutámos das águas do Vouga,  mas a Lei das Compensações esteve do nosso lado e proporcionou-nos um momento gourmet, e beirão, num bar situado junto ao Santuário do Nosso Sr. dos Caminhos, com uns peixinhos do rio a marcar a diferença. 

20220508_170452.jpg

2 comentários

Comentar post