5 de abril 2022
9 Km | Circular | 330 m desnível acumulado | Fácil/Moderado
Localização | Senhorim, freguesia do município de Nelas, distrito de Viseu
Situa-se no município de Nelas esta freguesia beirã que, entre 1140 e 1855, foi vila e sede de concelho. O percurso de hoje leva-nos a explorar as margens dos rios Castelo e Videira que por ali correm. Fica, desde já, deslindado que o nome do trilho não se deve a um castelo, que ali não existe, mas antes ao nome de um rio. A rotunda que nos recebe à entrada de Terras de Senhorim ostenta um enorme cacho de uvas, numa alusão clara a que estamos numa zona vinhateira. Encontrando-nos na região demarcada do Dão não seria de esperar outra coisa.
É junto à Casa dos Senas o ponto de partida. Um interessante e bonito solar do século XVII, todo em pedra, reconstruído em 2009 para albergar o espaço museológico Centro de Interpretação das Terras de Senhorim.
Daqui, partimos rumo aos campos. As marcas de ruralidade da zona são bem visíveis. Passamos por algumas hortas, caminhos agrícolas e vinhas. Um cão em pose de alerta diz-nos que há por ali um rebanho. Recomenda a prudência, nestas circunstâncias, que nos certifiquemos da presença do pastor, sob pena de não sermos muito bem recebidos. Um pouco à frente, vislumbramos o rebanho e o pastor. Podemos seguir tranquilamente.
Entramos novamente na localidade e passamos pela igreja matriz, que não visitamos por estar encerrada, e onde apreciamos a arquitetura local. Senhorim (não confundir com Canas de Senhorim, também do concelho de Nelas) é uma localidade com alguns encantos. Passamos por um moinho, um dos que vão ilustrar a nossa jornada, situado no rio Videira, afluente do Castelo, que atravessamos sobre umas bonitas poldras. Será por isso que se chama Moinho das Poldras?
Continuamos por caminhos entre muros antigos de pedra e, a determinada altura, apercebemo-nos de que temos um companheiro de quatro patas pelo qual tinhamos passado junto a uma casa na localidade. Tentamos fazê-lo regressar 'a casa', mas ele é persistente. Acompanha-nos ainda durante mais de um quilómetro até que, assustado com o barulho de uma serra elétrica, volta para trás. Este é, aliás, um barulho muito presente nestas paragens nesta altura do ano, já que no verão, o manuseamento de equipamentos elétricos é proibido, pelo perigo que os mesmos representam para os incêndios. Mas há que preparar lenha para o inverno e há que limpar as florestas, por isso, nada melhor do que a primavera para o fazer.
Chegamos, agora, a uma secção do caminho particularmente pedregosa, mas bonita, em que enormes blocos e lajes de granito ocupam todo o espaço. É sobre essas lajes que, com todo o cuidado, caminhamos, pois o terreno é inclinado e escorregadio. Em fundo e ao longe, as casinhas da localidade proporcionam uma vista muito bonita. Passamos por um primeiro núcleo de ruínas de moinhos e continuamos a andar. Um pouco adiante, começamos a perceber, pelo barulho bem audível de águas correntes, que a um nível inferior àquele em que nos encontramos vai o rio Castelo. Com mil cuidados, contornamos aquelas rochas e aproximamo-nos até o conseguirmos ver. Ao rio e aos moinhos.
Água mole em pedra dura...
Que imagem linda! Um conjunto muito pictórico de moinhos na margem do rio que, neste troço, corre sobre um fundo de pedra. Pedra que, ano após ano, se deixou moldar pela irrequietude destas águas com caraterísticas de rio de montanha. O resultado são umas fantásticas marmitas de gigante. Muito 'leigamente' falando, as marmitas são cavidades de forma mais ou menos cilíndrica existentes nos leitos de alguns rios, resultantes da erosão das águas e dos seixos que elas transportam. Lá diz o ditado que "água mole em pedra dura tanto bate até que fura", e neste caso é mesmo verdade. E é um fenómeno muito interessante de observar, já que a água, ao passar pelas marmitas, faz uns remoinhos com um efeito visual curioso.
A observação deste complexo de moinhos de rodízio, e de todo o cenário que eles compõem, é, sem dúvida, o ponto alto deste percurso. As imagens levam-nos até ao tempo em que eles eram fundamentais para a subsistência daquela população. Era neles que se moía o milho, o centeio e outros cereais com que se fazia a farinha para o pão. Além disso, são testemunhos da arte e engenho do homem no seu aproveitamento dos recursos que o meio lhe disponibiliza. Neste caso, um aproveitamento pacífico e não poluente, uma vez que a água era utilizada como força motriz, apenas fazendo girar os rodízios que faziam rodar as mós, seguindo depois o seu rumo. Eram tempos de tecnologias não poluentes... até porque ainda não havia eletricidade.
Como curiosidade, devido às suas caraterísticas de rio de montanha, a força das águas do Castelo 'alimentou' vários moinhos, mais precisamente 16, dos 49 de todo o concelho.
Outra curiosidade prende-se com a propriedade destas estruturas. É que os avultados custos de construção destes moinhos eram, geralmente, partilhados por vários proprietários, a que se chamava herdeiros, que os usavam depois em regime de alternância previamente combinado entre todos. Os custos aplicavam-se não apenas ao moinho, mas também ao conjunto de estruturas necessárias ao seu funcionamento como, por exemplo, açudes para armazenar água e levadas para a transportar.
Passamos, de seguida, pela Mini-Hídrica de Senhorim, uma pequena central a fio de água, que aproveita, também, a força corrente do rio Castelo para produzir eletricidade.
Afastamo-nos do rio, avançando por caminhos antigos, ladeados por muros de pedra, atravessando uma zona arborizada, ora subindo, ora descendo. Fletimos, novamente, em direção ao rio, o que implica uma íngreme descida, por umas escadinhas de granito extremanente estreitas, irregulares, muito inclinadas e sem proteção lateral, junto ao muro de pedra de uma propriedade. Vários lances de escadinhas... quase a pique. É nestas situações que os bastões se revelam preciosos. No fim da descida, espera-nos um recanto verdadeiramente idílico formado pelo leito do rio e pela sua lindíssima galeria ripícola. Sobre o rio, o baloiço "SoRio Castelo" convida a uma 'voltinha'. E nós aceitamos o convite. Muito agradável! São estes 'tesouros' que fazem valer todo o esforço que estes caminhos de pedra exigem. Por uma pequena ponte suspensa, de madeira, atravessamos para a outra margem e iniciamos o regresso que, bem o sabíamos, implicaria uma subida rasgadinha, tendo em conta o que tínhamos descido. Só não sabíamos que seria tão acidentada. Literalmente, tivemos de vencer uma quantidade, que nos pareceu infindável, de enormes blocos de granito amontoados uns nos outros. Não foi fácil!
Antes do final da jornada, passamos ainda por um núcleo de ruínas de moinhos e entramos na localidade, novamente atravessando as poldras do moinho com o mesmo nome.
Uma senhora de 'provecta' idade limpava os arbustos e ervas daninhas do terreno envolvente com uma roçadora. Mete conversa connosco e explica que no fim de semana seguinte vai haver festa. Para comemorar o Dia Nacional dos Moinhos, a Junta de Freguesia local promove, anualmente, uma visita guiada aos ditos, durante a qual se vai pôr em prática o ciclo do pão. Num dos moinhos vão moer a farinha, vão amassá-la, fazer os pães e cozê-los. A melhor parte fica guardada para o final, em que todos se juntam à volta da mesa para degustar a 'obra', bem como outras especialidades locais. A 'coisa' prometia, mas nós, apesar do simpático convite da senhora para participar, com grande pena, não pudémos comparecer. Ficará para outra oportunidade.