PR1 GVA Rota dos Galhardos
Descansemos aqui… e vamos tomar um folgosinho de ar!”
Terá acontecido assim? É o que a lenda diz. Quanto ao ar puro, outra coisa não seria de esperar desta linda Aldeia de Montanha tão bem situada na encosta norte da Serra da Estrela, a 930 metros de altitude. Quanto às águas cristalinas… são, certamente, de grande qualidade, tendo em conta a forma como é homenageada através de inúmeras quadras populares distribuídas pelas paredes da localidade. Destaco a vistosa fonte, no largo principal, que, num tom ‘brincalhão’, assegura que “Água e mulher, só boa se quer». Uma frase que ‘machucará’ as atuais sensibilidades, mas que faz parte da história daquela fonte e como tal deve ser entendida.

Em frente, a toda a largura, o ondeado da montanha. O Sol embate contra ela, desnuda-a até à aridez. Vejo-a desdobrar-se desde a aldeia até ao alto, com grandes matas escuras, erguer-se ainda em grandes massas até ao céu queimado.”, Vergílio Ferreira, Para Sempre

Atravessamos a ribeira da Freita e chegamos ao início da Calçada da Serra de Baixo. Uma senhora calçada, por sinal! Olho para aquela ‘passadeira’ feita de enormes blocos de granito, em terreno bem inclinado e sem fim à vista, e sei que vou sofrer. Cerca de dois quilómetros, seguidinhos, sempre a subir… sobre pedregulhos irregulares.


Mentalmente, vou tecendo apreciações sobre aquela ‘fantástica’ via de comunicação. Sim, fantástica, porque antes da sua construção, percorrer aquelas encostas declivosas deveria ser muito mais penoso. Sim, já houve um tempo em que aquela calçada foi bem-vinda e festejada por aquelas comunidades como uma grande obra e um ‘investimento estruturante e fundamental para a melhoria da qualidade de vida daquelas pessoas…’. Terá havido cerimónia de inauguração com direito a discursos?
O enquadramento não podia ser mais bonito (se nos abstrairmos das marcas recentes do incêndio). O vale, as encostas da serra repletas de formações graníticas, a paisagem a tornar-se mais imensa à medida que subimos. E a subida que nunca mais chega ao fim!! Cada vez mais, a Estrela mostra-nos a matéria de que é feita: rocha, granito, blocos de granito, caos de granito. É impossível, a quem vive neste território, ser imune a esta dureza. Dureza combate-se com dureza, com força de vontade, com resiliência (mais um termo da moda), e foi isso que estes homens e mulheres fizeram ao longo dos séculos. Assim funciona o ciclo. O meio que molda o homem, que molda o meio. Um ciclo que só é perfeito se houver equilíbrio. Passamos por uma casa de abrigo, verdadeira benção para quem, fustigado pela intempérie, merece uns momentos de tréguas.
Quase a chegar àquilo que julgamos ser o topo da subida, deparamo-nos com um estradão. Será o da Grande Rota Aldeias Históricas (GR12), com o qual o nosso percurso há de coincidir, entre a Pedra Furada e a Portela de Folgosinho? Não! E aqui há que ter muita atenção, pois corre-se o risco de se perder o trilho. O estradão é para atravessar e seguir em frente… e para cima…
Este troço do caminho é particularmente bonito e apetece parar constantemente para apreciar com tempo e calma. E também para recuperar o ‘folgosinho’. Entendo agora o comentário do rei! Nem quero imaginar o que seria perseguir mouros naquelas condições e, ainda por cima, com armas e armaduras. Vida de rei não era fácil naqueles tempos. Adiante! Os afloramentos graníticos vão-se tornando mais imponentes.
É da Portela de Folgosinho que parte a calçada que nos vai levar até à sede da freguesia. Trata-se de um pequeno troço milenar, de cerca de três quilómetros, pertencente ao itinerário que, entre os séculos I a.C. e IV d.C., ligava as maiores cidades do ocidente peninsular imperial, Bracara Augusta (Braga) e Emerita Augusta (Mérida). Era, então, uma via fundamental de acesso aos Casais, relevância que manteve por muitos e muitos séculos.
Realmente, é uma calçada dos Diabos! Desde logo, pelo ‘conforto’ do piso, pavimentado em blocos de pedra de configuração retangular e dispostos de forma irregular. Está implantada numa zona com alguma inclinação, descrevendo algumas curvas e sendo ladeada por formações rochosas. Mas é, de facto, espetacular! E, com toda a certeza, mais uma grande obra devidamente celebrada pelos utentes da época. Fizemo-la em sentido descendente, ótimo para quem gosta de descida, mau para o impacto nos joelhos. Andamento mais propenso a escorregadelas e tropeções. Atenção, portanto!
Já mesmo na entrada de Folgosinho, ainda passamos pelo Parque de Lazer O Poção, onde há uma piscina magnífica de água natural… porém, fresquinha.
Este trilho superou muito as nossas expetativas e entrou para o top 10 dos nossos preferidos. Na verdade, as localidades são muito mais do que as suas ruas e as suas casas, da mesma forma que a paisagem natural ou rural não se esgota nas árvores e nos campos de cultivo. Folgosinho está rodeada de uma rica paisagem cultural rural de montanha, repleta de marcas de identidade que a tornaram única.
Para o dia ser mais-do-que-perfeito só faltou uma paragem n’O Albertino. Penso que, depois de subir e descer duas calçadas daquele calibre, temos o lastro adequado à ‘degustação’ ali proposta. (In)Felizmente, estava fechado para férias…