10 novembro 2022
O percurso | 13,8 Km (fizemos 16,21), 212 m desnível acumulado, circular, fácil/moderado
Localidade | Ferreira do Alentejo, distrito de Beja
Era uma vez, uma próspera cidade fundada pelos romanos, no século IV da nossa era, que dava pelo nome de Singa. Ora, no ano de 405, já na fase tardia deste império, os territórios da Península Ibérica, então denominados como Lusitânia, foram invadidos pelos godos, um povo bárbaro de origem germânica. Nessa época, era muito comum os povos invadirem-se uns aos outros, prática que, infelizmente, nunca desapareceu completamente. A verdade é que estes senhores fizeram frente aos romanos, vencendo-os, e por cá se mantiveram até ao ano de 711, quando os Mouros, vindos do Norte de África, os fizeram sair de cena. Que isto não era chegar e instalar, era necessário guerrear um bocadinho. Acontece que por vezes surgiam situações deveras complicadas, como a que lhes preparou uma mulher valente e destemida, de nome desconhecido, que, qual Padeira de Aljubarrota (que só viria a nascer alguns séculos depois), defendeu com unhas e dentes, e também com dois malhos de ferro, a entrada no castelo. Os dois malhos pertenciam ao seu marido, que era ferreiro, e é esta a razão de ela ter ficado conhecida como ferreira. E assim se explica a origem de Ferreira (do Alentejo), anteriormente, Singa. Nada como uma boa lenda! E sim, parece que Ferreira teve um castelo medieval, da Ordem de Santiago que, por estar em ruínas, foi demolido em 1838, tendo as suas pedras sido utilizadas na construção de muitas casas na localidade e, no seu lugar, nascido um cemitério.
E é por terras de Ferreira do Alentejo que se desenvolve o trilho de hoje. Rodeado de planícies imensas e tranquilas, o concelho é fortemente marcado pela atividade agrícola, sendo notório o convívio entre as ancestrais culturas tradicionais, como o olival e o montado de sobro, e as modernas plantações de regadio. A quantidade de olivais de intensivo e super intensivo fazem da zona uma grande produtora de azeite.
Antes de nos fazermos ao caminho, impõe-se a habitual visita à localidade, até porque Ferreira tem alguns recantos muito interessantes. Desde logo, a peculiar Capela do Calvário, também conhecida por Santa Maria Madalena ou Igreja das Pedras, verdadeiro cartão de visita desta vila baixo-alentejana. A sua peculiaridade é-lhe conferida pela sua forma circular coberta por uma cúpula, que mais parece uma redoma, cravejada de pequenas e irregulares pedras de granito. Essas pedras, diz-se, poderão simbolizar o apedrejamento e martírio de Cristo durante a Via Crucis, ou percurso do calvário. Outra interpretação poderá ser a alusão a Maria Madalena, salva por Jesus Cristo de ser apedrejada. Além disso, no seu interior há uma imagem de Santa Madalena. Interpretações à parte, este monumento religioso é deveras curioso e original, estando classificado como Monumento de Interesse Público.
Avançamos e passamos por uma oficina de ferro forjado, afinal estamos em terra de ferreiros, e é bom saber que há quem preserve estes ofícios, cujos praticantes vão rareando. Dali, saem variadíssimos objetos feitos de ferro, de que são exemplo as tradicionais camas de ferro tão usadas no Alentejo.
Dirigimo-nos à Praça Comendador Infante Passanha, anteriormente o Rossio, e que é a praça principal da vila. Aqui se situa outro elemento religioso de destaque, a Igreja de Nossa Senhora da Assunção, a matriz, cuja primitiva fundação, pela Ordem de Santiago de Espada, remonta a 1320, tendo sido remodelada em 1571. Apesar da sua traça simples, contém alguns pormenores de relevo, designadamente o seu interessante portal barroco encimado pela pedra de armas da Ordem de Santiago. No seu interior está uma imagem da N. Sra. da Assunção que, diz-se, terá acompanhado Vasco da Gama na sua viagem de descoberta do caminho marítimo para a Índia. Quisemos visitar, mas, como é habitual no nosso país, estava fechada.
É também aqui que, em frente aos Paços do Concelho, sobre um 'tapete' ondulado de calçada portuguesa, se ergue um monumento de homenagem a quem deu o nome à Praça, Luís António da Fonseca Infante Passanha. Comendador da Ordem de N. Sra da Conceição de Vila Viçosa e Presidente da Câmara de Ferreia do Alentejo entre 1874 e 1886, Infante Passanha contribuiu para o desenvolvimento do concelho, tendo promovido a construção de diversos equipamentos de utilidade pública.
A escultura de duas figuras descontraidamente sentadas num banco, da autoria do escultor ferreirense Francisco Rato, chama a atenção. "Passando o Tempo" é o nome desta obra, ali colocada em 2017, que pretende homenagear os mais velhos.
Deambulamos um pouco mais pelas ruas e passamos pela antiga Igreja da Misericórdia, onde hoje funciona o núcleo de arte sacra do museu municipal, para apreciar o seu bonito portal manuelino, trazido da Ermida do Espírito Santo, já demolida.
Alentejo, Alentejo, Vastidão de Portugal; Futuro, continental!; Terra lavrada, que vejo; A ser mar mas sem ter sal.", Miguel Torga
Saímos do miolo urbano e, imediatamente, entramos em caminhos rurais. Campos de cereais e campos acabados de lavrar são o cenário inicial. Ao longe, ora se vislumbram plantações densas de oliveiras, ora uma paisagem ondulante onde ainda se mantém o olival tradicional, que se distingue das primeiras pelas copas redondas e irregulares das árvores e pela maior distância entre elas. As searas são maravilhosas e mais parecem tapetes verdes e felpudos. Já os campos lavrados parece que foram passados a pente fino. Muito bonito. Passamos pelo enorme nogueiral da Quinta do Pereiro onde, no final da nossa jornada, haveremos de ir comprar nozes. Sabemos que são de excelente qualidade. Avançamos até ao Monte da Aviôa e espreitamos o seu aeródromo com o mesmo nome. Ali está a pista no meio daquela imensa planície. Que nome sugestivo para um aeródromo!
Avançamos até chegar à subida para o Cerro da Águia, uma senhora subida, diga-se, considerando que estamos no Alentejo das planícies! Sempre ladeados por olival de intensivo, vamos olhando para trás e apreciando a paisagem que se vai destapando cada vez mais, mostrando-nos um horizonte que parece não ter limites. E quando atingimos o topo, não há um bocadinho de paisagem que não consigamos ver.
Mais uma vez, a palavra que nos ocorre é imensidão! Chegou a hora de começar a descer, sempre por intensos olivais e, mais a frente, por terrenos lavrados e preparados para receber novas oliveiras. Agora, sim, passamos em frente à entrada do nogueiral da Quinta do Pereiro, já próxima da vila, mas não tão próxima que nos permita carregar com o saco das nozes que queremos comprar. Voltaremos lá de carro, depois do merecido lanche que nos espera na esplanada de um simpático estabelecimento no centro da localidade. Produtos alentejanos, whatelse!