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Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

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"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

30.10.23

Etapa 7: West Highland Way | De Kingshouse a Kinlochleven (14,5 Km)


Emília Matoso Sousa
A etapa de hoje, a penúltima, não é longa, mas vai pôr à prova a nossa resistência na subida da Devil's Staircase, outro dos pontos altos do WHW. O nome faz temer o pior, se bem que a maior parte dos relatos que lemos ou ouvimos são bastante tranquilizadores.

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Foquemo-nos, por agora, na paisagem única que nos rodeia na saída de Kingshouse. À nossa frente, uma impressionante montanha ganha cada vez mais forma. Nada menos do que a imponente Buachaille Etive Mor, um dos Munros mais famosos da Escócia. The Great Herdsman of Etive ou o Grande Pastor de Etive, em português.

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Ali está ele, imponente, sentado na entrada do imenso vale Glen Etive, à esquerda, o tal que serviu de cenário ao Skyfall, e com o Glen Coe à direita. Nas nossas anteriores visitas às Terras Altas, já nos tínhamos deleitado com esta paisagem, nunca imaginando que um dia haveríamos de a percorrer a pé, quase nos sentindo parte daquele magnífico cenário. Uma coisa é apreciar a paisagem de longe, coisa diferente é estar inserido nessa mesma paisagem. Que sensação!!!!

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The Devil's Staircase.
Avançamos quase até ao sopé da montanha sobre uma antiga estrada militar que ligava Stirling a Fort William, construída por volta de 1750. Ao longo destre trajeto, o WHW ladeia a  já nossa conhecida A82 e constatamos que, desde a primeira vez que ali passámos, o trânsito de viaturas aumentou bastante, fruto do aumento do fluxo de turistas.

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Viramos à direita, de novo deixando para trás quasquer marcas de 'civilização' , para começar a subir as demoníacas 'escadas'.
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Em boa verdade, não se trata efetivamente de escadas, mas antes de um terreno extremanente inclinado e ziguezagueante, por vezes com pedras que parecem degraus... Tão inclinado que, olhando de baixo para o topo, as pessoas que já lá chegaram, parecem formigas.     

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Consta que foi batizada pelos soldados que, durante a construção da estrada militar, tinham de subir e descer a encosta, transportando pedras e equipamentos. Enfim, não deve ter sido fácil. Outra teoria afirma que o nome surgiu 150 depois, durante a construção do reservatório Blackwater, em que muitos dos militares envolvidos na obra perderam a vida ao aventurarem-se a percorrer tal caminho. 

E nós lá vamos subindo, parando de vez em quando para recuperar o fôlego. E também para admirar a paisagem, cuja beleza atinge, aqui, mais um ponto alto. Rannoch Moor ficou para trás, mas as montanhas começam a mostrar-se em toda a sua imponência. E quanto mais subimos, mais elas se mostram, organizadas em cordilheiras que, de tão perfeitas, parecem imagens de cinema. No horizonte, destaca-se o perfil das Marmones. A Escócia selvagem, a Escócia cénica, a Escócia dramática, tal como é tantas vezes descrita nos guiões turísticos, está ali à nossa frente! Que espetáculo!!

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Não sei se pela magnitude da paisagem, que nos esmaga a cada metro que subimos, a verdade é que, quando menos esperamos, atingimos o topo, que está assinalado por um pequeno cairn (um amontoado de pedras utilizado para homenagear algo ou alguém). Tinha razão quem dizia que a subida não é tão difícil assim! Estamos a 550 metros de altitude, o ponto de maior altitude do West Highland Way.

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Tão pouca altitude para tantas, tantas subidas acumuladas! Mais uma vez comprovamos que a mais difícil das subidas nos presenteia sempre com as melhores paisagens. É tão certo como uma lei da física! E todas aquelas expressões menos 'poéticas' que vamos proferindo durante a subida, imediatamente são substituídas por expressões como "que espetáculo!", "que maravilha!", "mais bonito é impossível" ou, se pensarmos em inglês, que é o que vimos fazendo por estes dias, "oh, dear!", "oh, God!", não esquecendo o típico "amazing!!!". E, como corolário de tudo isto, não poderia faltar o inevitável "afinal, até nem custou muito!", e, orgulho dos orgulhos, "we did it!". Portanto, sentemo-nos por alguns momentos, lanchemos qualquer coisita, e apreciemos o que de melhor a Mãe Natureza tem para nos oferecer. Afinal, é para isso que ali estamos. Uauuuuu!!!! Que vistas!!!!!!!

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A segunda lei da física iríamos comprová-la no troço final desta secção do caminho. É que depois de uma grande subida, segue-se uma grande descida. Esta máxima também nunca falha! Neste caso, foi uma longa e serpenteante descida através daquela fantástica charneca. Descer pode tornar-se, também, penoso, dependendo da inclinação, do tipo de piso e, no limite, dos joelhos do caminhante.

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No final da descida, espera-nos Kinlochleven, uma vila muito pitoresca situada num dos topos do Loch Leven, um lago de mar que, ali, chega bem ao interior. Um conjunto de painéis informativos dá-nos conta do ciclo de vida do salmão, o que significa que é um peixe abundante ali no rio Leven. Da mesma forma, somos alertados de que não devemos alimentar... os veados. Esperamos encontrar alguns! 

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Kinlochleven prosperou em 1926, graças à indústria da fundição, quando a British Aluminium Company aproveitou a força das águas das montanhas circundantes para fundir alumínio. Atualmente, é uma vila movimentada e ponto de paragem quase obrigatório no West Highland Way. Entre as suas pitorescas casinhas, destacam-se alguns edifícios que anteriormente faziam parte do processo de fundição e que foram reaproveitados para dois negócios: o Ice Factor, um enorme centro de escalada indoor, e a Cervejaria River Leven. 

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Para pernoitar, escolhemos um confortável B&B, uma das primeiras casas à entrada da vila, gerido por um simpático jovem casal, que nos recebeu com uns deliciosos biscoitos acabados de fazer. Isso e uma preciosa garrafa de água fresca. Nunca, na Escócia, ansiei tanto por água...

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Depois de um breve descanso, fomos 'explorar' a vila, até porque havia que assegurar mantimentos para o dia seguinte, uma caminhada de 24 quilómetros sem uma única loja ou cafetaria. Tivemos a sorte de nos cruzar com alguns veados que, donos e senhores das ruas, entravam e saíam nos jardins das casas com a maior descontração. Dá para perceber que convivem pacificamente com os moradores.

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O final do dia foi particularmente animado, com um belíssimo jantar escocês, num bar muito bem localizado, a que se seguiram uns divertidos momentos de confraternização com um grupo de caminhantes escoceses super bem-dispostos, de que fazia parte o nosso 'amigo' Craig. Cheers!!! Ou melhor, Slàinte!!! Na Escócia, sê escocês...

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