16 de maio 2024
Antes de deixar Viana do Castelo, fizemos uma breve visita à Capela de N. Sª da Agonia, a qual está ligada à romaria da santa com o mesmo nome e que é uma das mais tradicionais festas religiosas portuguesas que, todos os anos em agosto, atrai multidões. Com o seu portal em 'asa de morcego', o edifício data do século XVIII e é a capela terminal de uma antiga via sacra. O seu interior é particularmente bonito e valeu a deslocação.
E foi ao sair da capela que, por distração ou sinalização pouco evidente, não seguimos a direção recomendada, que deveria afastar-nos da linha costeira. Quando nos apercebemos disso, já tínhamos caminhado um bom bocado e decidimos seguir sempre junto ao mar. Passamos, primeiro, pelo Forte da Vinha, ou Fortim da Areosa, um dos quatro edificados no litoral entre Viana e Caminha. Construídos no final da Guerra da Restauração (1640-1668), o objetivo destas fortificações era defender a costa atlântica do Alto Minho de eventuais ataques da armada espanhola.
Os rochedos tomam, agora, conta da paisagem, num mar que se desfaz em pequenas ondas, sinal de que o tempo está calmo. Com nortada a conversa seria diferente. Iniciamos um percurso interpretativo que nos vai dando nota de muitos testemunhos de outras eras.
É o caso da área do Monumento Natural das Relíquias do Rheic das Pedras Ruivas que, através de um conjunto de sedimentos, fósseis, plataformas costeiras e geoformas, nos mostra como foi a evolução do último, e atual, ciclo climático. Dizem os estudiosos que é possível saber, por exemplo, que há 125 mil anos, o nível do mar estaria cerca de 20 centímetros acima do atual, ou que ali já existiram praias e lagoas... Enfim, não há dúvida de que as rochas são como documentos que nos contam quais as transformações e processos geológicos que têm moldado a Terra ao longo dos milénios. Basta que os saibamos ler, algo que não está ao alcance do comum dos mortais.
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Já em tempos mais recentes, também ali houve moinhos de vento, hoje desativados, utilizados para moer o milho produzido nas terras de cultivo da Areosa, ou veigas, como são denominadas. Recuperados, formam imagens muito bonitas, pelo seu posicionamento sobranceiro ao mar, em plena orla marítima. São os moinhos da Areosa. Mais à frente, outros haverá em Canto Marinho.
Na praia do Canto Marinho, o Monumento Natural Local do Gotas Magmáticas do Canto Marinho é outra área de património arqueológico de relevo. Desde logo, as mais de 700 pias salineiras (para produção de sal), de dimensões e formas variadas, construídas acima da linha de preia-mar, ao longo de um vasto conjunto de afloramentos rochosos, numa extensão linear aproximada de um quilómetro. Esta atividade permitiu concluir que aquelas terras foram ocupadas, pelo menos, desde a Idade do Ferro (período que antecedeu a romanização), e que a subsistência, ali, era assegurada pela agricultura e pecuária, sendo a produção de sal essencial para a conservação das carnes.
Muitos dos achados aqui realizados encontram-se submersos durante a maré cheia, o que significa que há 4 ou 5 mil anos, durante a Idade do Ferro, o nível do mar estaria abaixo da posição atual. Sendo nós completamente leigos no que à interpretação destas observações diz respeito, é com algum deslumbramento que vamos tomando conhecimento de toda a informação contida naquelas 'relíquias' aparentemente sem outro interesse além da sua beleza natural.
Um pouco mais adiante, deparamo-nos com um interessante conjunto de casas de pedra, outrora, de apoio a atividades de pesca, hoje, recuperadas para casas de veraneio. De grande beleza, com muitos rochedos e sem quaisquer estruturas de apoio, a praia do Canto Marinho é quase selvagem, ideal para passear e relaxar. Que o digam os 'cavaleiros que por ali passeavam na altura, junto ao mar. E nem a chuva, que entretanto começara a cair, parecia incomodá-los. Foi também ali que aproveitámos para fazer uma breve paragem para usufruir daquela magnífica envolvente.
Chegamos à praia do Carreço, onde um bar de aspeto muito agradável nos convida a entrar, até porque a chuva começara a não dar tréguas, e onde aproveitámos para aquecer um pouco os estômagos. Daí, avançamos até ao Geossítio do Alcantilado de Montedor, outro monumento natural onde são visíveis diversos interesses geomorfológicos que ajudam a compreender como se instalaram os maciços graníticos que formam os sistemas montanhosos mais próximos da linha da costa. É também ali, num afloramento granítico, que se encontram as gravuras rupestres de Fornelos, as quais constituem um importante sítio pré e proto-histórico, classificado como Imóvel de Interesse Público; bem como um cemitério de praias antigas, testemunhos da ação erosiva sobre as rochas.
Afastamo-nos um pouco do mar e subimos até aos moinhos de Montedor, para logo descer em direção à praia do Paçô. Passamos, primeiro, pelo forte, mais um dos construídos após a Restauração da Independência (1640), no reinado de D. Pedro I. Mais uma praia enquadrada por um magnífico cordão dunar, onde se aninha uma fileira de bonitas casas de pedra, anteriormente usadas para arrumos pelos pescadores.
E, novamente, fletimos um pouco para o interior, passando por baixo de um verdejante túnel de árvores, ótimo para os dias de Sol, em que a sombra é necessária, mas não para um dia de chuva como o de hoje. Ainda assim, muito aprazível. Vila Praia de Âncora está perto, mas ainda vamos ter de aguentar com muita chuva até lá. Voltamos à linha do mar, agora sobre passadiço, e passamos pela praia de Afife. À nossa direita, o imponente edifício de um antigo Sanatório, hoje uma Unidade de Saúde, diz-nos que estamos no lugar da Gelfa, já em Vila Praia de Âncora, no município de Caminha. Passamos por mais um forte, o do Cão, situado na praia com o mesmo nome. Os 'espanhóis' deviam ser mesmo muito perigosos, tendo em conta o número de fortes da nossa costa!
Somos agora confrontados com um piso coberto de areia, muita areia. Tanta que soterrou o passadiço e obriga-nos a um esforço suplementar, já perto do final desta caminhada tão molhada. Encontramo-nos entre o mar e o rio Âncora, que vamos ter de atravessar para entrar na vila. Fazemo-lo através de uma bonita ponte pedonal, sobre a qual passa a linha do comboio. Agora, sim, chegamos a Vila Praia de Âncora, entrando pela sua marginal, sempre debaixo de intensa chuva. Ao fundo, a ponte sobre o rio Âncora faz a ligação entre a avenida marginal e a duna dos Caldeirões. Trata-se de uma reconstrução, pois que a original, construída em 1959, não resistiu a um violento temporal em 1966.
A chuva que caía não convidava a mais passeio, ainda que a beleza da praia, cujo areal é atravessado pelo rio Âncora, o justificasse. Porém, já tínhamos as roupas bastante molhadas... Assim, após um duche retemperador e uma breve espreitadela ao centro da vila, decidimos ir em busca de jantar. E porque o Caminho também se faz de sabores, nada melhor do que terminar o dia a degustar um belo bacalhau à minhota, digníssimo representante do património gastronómico local.