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Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

09.12.24

Etapa 4 / 15 - De Fão a Viana do Castelo | 32 Km


Emília Matoso Sousa
15 de maio 2024
 
A etapa de hoje vai terminar em Viana do Castelo. Mais uma mudança de distrito, portanto. Pela primeira vez, desde o Porto, vamos fletir para o interior, afastando-nos do mar, logo à frente de Esposende, em Marinhas. Saímos de Fão atravessando a sua Ponte Metálica, sobre o rio Cávado, um exemplar de arquitetura do ferro em Portugal, inaugurada em 1892 e batizada com o nome do príncipe herdeiro, Luís Filipe. As obras de reabilitação, atualmente em curso, tornaram pouco agradável a travessia dos seus 277 metros de comprimento. 
 

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Na chegada a Esposende, na marginal ribeirinha, o 'traço' inconfundível de uma obra de Vihls chama a nossa atenção. Trata-se do mural Scratching the Surface - Mulheres do Mar, inaugurado em 2020, para homenagear as gentes do mar, através das mulheres dos pescadores. Esta é, também, uma zona de forte ligação ao mar.

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O edifício do Instituto de Socorros a Náufragos é disso prova, bem como o monumento de homenagem Ao Homem do Mar de Esposende, o primeiro, em plena marginal, o segundo, no largo contíguo, onde se encontra a igreja matriz. Da autoria dos Irmãos Bom Pastor, a estátua é composta por cinco figuras – quatro homens e uma mulher – e pela quilha de uma embarcação. Numa dinâmica de dois em um, ali se retrata o esforço dos que andavam na faina marítima, e o trabalho dos que construíam as embarcações. A dimensão e o realismo desta e de outras estátuas semelhantes, que encontramos ao longo do caminho, são verdadeiramente impressionantes.

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Antes de seguir viagem, damos uma volta pela cidade, por sinal bastante interessante, com uma simpática frente virada para o rio Cávado e com o Atlântico em segundo plano.fao8 (1).jpg

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A chuva, entretanto, decidiu fazer-nos companhia, mas há que seguir em frente. Que o diga a jovem peregrina que passa por nós transportando às costas uma criança de tenra idade. São estes os apontamentos que traduzem a essência do Caminho. 

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Perto de Marinhas, afastamo-nos da orla costeira, que só vamos reencontrar em Viana do Castelo. Na localidade de Marinhas existe um albergue público, pelo que muitos peregrinos a adotam como local de chegada e partida de etapa. Uma pintura mural Moleirinhas (2022), do artista plástico venezuelano Juan Domingues, mostra-nos como terá sido o trabalho das mulheres nos moinhos de vento naquela zona. 
 

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Uma igreja com alguma imponência destaca-se no edificado da vila. Tem a sua origem na Idade Média (século XI), tendo sido reedificada na década de 1930. Entrámos. O património religioso é algo que marca muito todas as vilas e localidades por onde vamos passando. Desde igrejas monumentais a pequenas capelas, desde que estejam abertas, entramos sempre, confessadamente, mais pelo seu valor estético do que por outros motivos. E eu nunca deixo de me impressionar com a riqueza de grande parte destes templos de oração... Nesta, o destaque vai para os belíssimos retábulos em talha dourada.
 

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Em Belinho, outra localidade esposedense, apetece-nos "tomar algo" e, nem a propósito, uma placa afixada num muro conduz-nos a um café, de seu nome O Lampião.  Um café de tal forma bizarro que poderia ser um café museu. Ou um café santuário. Entre um sem número de objetos e maquinetas antigos, há todo um culto em torno do futebol - com o FCP a ter honras de compartimento próprio - e desse grande revolucionário cubano que deu pelo nome de Che Guevara. Há, ainda, um recanto inteiramente dedicado a Bob Marley. O dono, um alentejano de Beja e anfitrião de primeira, que ali assentou arraiais há algumas décadas, recebe os peregrinos oferecendo bolachas e amendoins. Local de paragem obrigatória, sem dúvida.

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Faz lembrar o mítico Bar Don Pepe, em Padrón, cujo proprietário, o Pepe, recebia todos os peregrinos com exuberantes beijocas e chupitos de pimentos de Padrón. Felizmente, estivemos lá em 2022 quando fizemos o Caminho Central Português; infelizmente, desta vez, não iríamos lá estar, porque encerrou.

O trajeto desce, agora, por uma área predominantemente florestal e por caminhos antigos, rumo ao rio Neiva, que atravessamos sobre a ponte do Sebastião, provavelmente o nome de quem a mandou construir. Quem diria que aquela ponte tão rudimentar, ao ligar Antas, em Esposende, a Castelo do Neiva, já no concelho de Viana, faz a ligação entre os distritos de Braga e Viana do Castelo? Na margem esquerda do Neiva, quase sobre a ponte, situa-se a Casa Branca da Azenha, hoje usada como alojamento. Haverá poucos sítios tão bucólicos para pernoitar quanto aquela pequena casinha! 
 

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O terreno torna-se, agora, mais 'duro' e as marcas do Caminho, bem como as homenagens deixadas por peregrinos começam a ter maior expressão. Avançamos por sucessivas localidades. Em Castelo de Neiva, visitamos a igreja paroquial de S. Tiago, detentora de vestígios de que a sua versão primitiva já ali estava no século IX, mais exatamente no ano de 862. E já nessa altura era dedicada a S. Tiago Maior... Segue-se, agora, alguma subida. Para quem vinha, desde o Porto, em modo de quase passeio, qualquer aclive é uma provocação para os músculos das pernas. Já temos saudades do mar que, apesar de não estar distante, só de vez em quando, e fugazmente, o conseguimos vislumbrar ao longe. Em S. Romão de Neiva, o destaque vai para o mosteiro beneditino com o mesmo nome, cuja fundação primitiva remonta aos séculos X-XI. Chafé é dona de um património religioso considerável e em Anha é famoso o Paço d'Anha, um belíssimo exemplar de casa senhorial do século XVII, agora adaptada para alojamento. Um pouco à frente, não mais do que 300 metros após o paço, deparamo-nos com um espaço muito peculiar que convida os peregrinos a fazer uma pausa. Trata-se de uma espécie de retiro, com um tanque de água fresca e cristalina e uma cobertura, em jeito de abóbada, com uma pintura alusiva ao Caminho. Que momento bom e relaxante para quem como nós, já começava a acusar algum cansaço.
 

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A jornada já ia longa, por isso soube bem quando começámos a avistar Viana do Castelo onde, pouco depois, entrámos pela ponte Eiffel. Esta estrutura de ferro, que liga Darque a Viana do Castelo, uma em cada margem do Lima, foi desenhada no gabinete de Gustave Eiffel e inaugurada em 1878, substituindo a antiga e precária ponte de madeira. Com um impacto enorme para o desenvolvimento da cidade, foi a primeira ponte rodoferroviária construída em Portugal. Tem 645 metros de comprimento e dois tabuleiros metálicos sobrepostos, sendo o superior para trânsito automóvel e pedestre, e o inferior ferroviário. É nela que passa a Linha do Minho e a Estrada Nacional 13. Sem dúvida, uma monumental e  notável obra de engenharia e um exemplo magnífico da arquitetura de ferro do século XIX. Sem ela, Viana não seria, certamente, o que é hoje. Com o tempo, tornou-se, no entanto, insuficiente para o tráfego rodoviário, obrigando a construção da nova ponte rodoviária a montante do rio. A ponte constitui um excelente miradouro para a cidade e para o rio.
 

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Viana do Castelo merece uma visita prolongada. É considerada uma das mais bonitas cidades do Norte de Portugal e percebe-se porquê. Emoldurada e naturalmente favorecida pela presença do rio, do mar e do Monte de Santa Luzia, onde se ergue o Santuário Diocesano do Sagrado Coração de Jesus (também conhecido como Santuário do Monte de Santa Luzia), Viana é um regalo para a vista. Depois, é rica em costumes, tradições, artesanato, folclore... E que dizer dos trajes minhotos? E da filigrana em ouro? E das desgarradas e das concertinas? Já agora, sabiam que Viana é considerada uma 'Meca da Arquitetura'? Pois é, são vários os equipamentos e espaços da cidade assinados por nomes importantes da arquitetura nacional contemporânea. É o caso da Praça da Liberdade, de Fernando Távora; da Biblioteca, de Álvaro Siza Vieira; da Pousada da Juventude, de Carrilho da Graça; do Hotel Axis, de Jorge Albuquerque; ou do Centro Cultural de Viana do Castelo, de Souto Moura, entre outros. Num plano um pouco diferente, mas um bom indicador de modernidade, Viana pertence à rede das Cidades Cittaslow, organização não governamental fundada na Itália, cujo objetivo é reduzir a velocidade da vida nas cidades, desta forma melhorando a qualidade de vida nas mesmas. Que coisa boa!
 

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Desta vez, e porque já conhecíamos a cidade, e porque já chegámos tarde e cansados, apenas demos uma pequena volta. À chegada, apenas tivemos tempo de tomar um reconfortante duche e saímos a correr para o jantar. Num dos restaurantes mais tradicionais vianenses, claro! Rojões à minhota, como não poderia deixar de ser! E para sobremesa, outra especialidade minhota, a tradicional rabanada bem regada em calda de Vinho do Porto e mel, e coberta de frutos secos e passas. Uma delícia esta bomba calórica! Afinal, o Caminho também se faz destas experiências. 
 

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Para a manhã seguinte, guardámos outra 'experiência' vianense. Comer uma bola de Berlim na Confeitaria Manuel Natário que, dizem, são as melhores do mundo. E nem a imprensa internacional lhes é indiferente, como a Conde Nast ou o The Guardian, que as classificaram como "alguns dos melhores doces do mundo". Não sei se são as melhores do mundo, pois teria de as ter provado todas, mas que se deixam comer muito bem, lá isso deixam. 

 

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