Camino de Hierro - Ruta de Los Túneles y Puentes
27 de maio 2025 | 17 Km | Linear | Fácil
Hoje vamos andar sobre carris, num troço de 17 quilómetros que faz parte da desativada Línea del Duero que, com 77 quilómetros, ligava as localidades de La Fuente de San Esteban, Salamanca, e Barca d'Alva, em Portugal.
![]()
O Camino de Hierro, assim se chama este percurso pedestre, também é conhecido como Rota dos Túneis e Pontes e percebe-se porquê. É que, ao longo dos seus 17 espetaculares quilómetros, sempre em terras de Espanha, atravessamos vinte túneis e dez pontes metálicas, onde se destacam a ponte de Los Poyos, atribuída à escola de Eiffel, e a ponte Poyo Valiente, em curva e, à época, a maior deste tipo. É obra!
![]()
![]()
Situado em pleno Parque Natural das Arribas do Douro (Las Arribes), o percurso divide o nosso deslumbramento entre a beleza da paisagem natural que, literalmente, atravessa, e a espetacularidade de uma incrível obra ferroviária do século XIX. Não é à toa que é considerada um dos projetos industriais mais importantes do país vizinho.
![]()
![]()
![]()
![]()
![]()
É com espírito de aventura que iniciamos o percurso que, antevemos, nos vai surpreender. Túneis escuros e sombrios que atravessam rochedos, o primeiro (La Carretera), avisam-nos logo no início da caminhada, com 1593 metros. Sem lanterna seria impossível percorrê-lo, até porque o piso apresenta irregularidades que podem tornar-se perigosas. Pouco aconselhável para claustrofóbicos, portanto. Quanto às pontes, que permitem transpor as ravinas, apesar de bastante seguras, poderão ser um obstáculo para quem tenha vertigens. O melhor a fazer é apreciar a paisagem e esquecer a altura da estrutura sobre a qual se caminha.
![]()
![]()
![]()
![]()
![]()
![]()
Já agora, convém ir-se preparado para encontros inesperados, como o que tivémos com umas simpáticas vaquinhas que ocuparam a linha sem quaisquer cerimónias. Haverá quem não lhes reconheça simpatia alguma, ou até quem possa ter medo... enfim, quem está habituado a estas andanças pela natureza sabe que estes convívios são quase inevitáveis e, invariavelmente, pacíficos.
![]()
À nossa esquerda, lá muito em baixo, o rio Águeda faz a fronteira natural entre Portugal e Espanha. Irá acompanhar-nos até ao final do percurso, uma vez que só irá desaguar no rio Douro, em Barca d'Alva, cerca de duzentos metros após o final do nosso caminho. Uma curiosidade: Com as suas nascentes em Espanha, os rios Águeda e Douro definem os limites entre os dois países ibéricos ao longo de 25 e 122 quilómetros, respetivamente. Outra curiosidade: A ponte ferroviária internacional de Vega Terrón, que levava o comboio até Barca d'Alva, não é transitável, impedindo que o final do percurso possa ser em território luso.
![]()
![]()
![]()
![]()
![]()
Stop! Colónia de morcegos por perto.
A zona que percorremos, pelas suas caraterísticas, quer de flora, quer da configuração do próprio terreno, favorece habitats ideais para aves de rapina (águia real, grifo, abutre do Egipto), que por vezes conseguimos observar, mas não identificar. O que não conseguimos observar são os morcegos que por ali abundam. É que neste parque natural vivem e reproduzem-se 21 das 29 espécies destes estranhos mamíferos existentes na Península Ibérica. A sua existência é um bom indicador da boa qualidade ambiental do local, ao mesmo tempo que são aliados das produções agrícolas, ao alimentarem-se de insetos. Ali, escolheram como residência preferencial o terceiro túnel, de 423 metros de comprimento, nada menos do que cerca de 12 mil morcegos, formando uma das colónias mais importantes da península. Túnel Morgado ou Túnel dos Morcegos é o seu nome. Este túnel encerra durante algumas semanas, a partir de 1 de abril, para garantir condições adequadas à amamentação das crias. Durante este período, o túnel tem de ser contornado por um caminho alternativo e foi o que nós fizemos.
![]()
Este desvio, que nos retira temporariamente dos carris, acrescenta um quilómetro ao percurso e 'presenteia-nos' com um desnível de 60 metros bem 'rasgadinhos'. Curto, mas intenso e pedregoso, este é a única secção de todo o trajeto que reclama maior desgaste de energia.
![]()
![]()
![]()
![]()
Em jeito de apreciação final, confesso que o percurso excedeu as expetativas que, diga-se, já eram altas. Pela imponência da paisagem natural envolvente, claro, mas, sobretudo pela dimensão e complexidade de uma obra que demonstra bem a capacidade sem limites do homem para retirar do meio aquilo que o meio nem sempre lhe quer dar. Sem dúvida, uma experiência memorável.
Alguns aspetos logísticos
- O acesso ao percurso tem um custo de 8 euros por pessoa e inclui o transporte desde a doca fluvial de Vega Terrón, em frente a Barca d'Alva, até ao ponto de partida, a antiga estação de Fregeneda. Convém ser-se pontual, pois, após o último transporte, não se poderá iniciar o caminho. No regresso, o nosso carro espera-nos no estacionamento da doca de onde partimos.
- Há horário de verão (7h30 às 15h00) e de inverno (9h00 às 16h30). Entre instruções da equipa da organização, embarque no autocarro e transporte para Fregeneda, nunca se começa antes das 8h45/9h00. Convém ter-se a certeza de que se consegue terminar o percurso até à hora do fecho, tendo em conta que o tempo médio para o percorrer varia entre as quatro horas e meia e as cinco horas, não sendo permitida a entrada a menores de 10 anos. A melhor altura para o fazer será na primavera e no outono.
- Tendo em conta os horários, é aconselhável pernoitar, de véspera, em local próximo da doca Vega Terrón. Barca d'Alva é o mais próximo, mas tem pouca oferta de alojamento; Freixo de Espada à Cinta, um pouco mais longe, poderá ser outra opção (foi a nossa).
- Convém reservar os bilhetes antecipadamente.
- É possível fazer um trajeto reduzido do caminho de apenas 8 quilómetros.
- Deverá ter-se em atenção que estruturas de apoio ao longo do percurso são quase inexistentes. Apenas um WC, ao Km 11, e um carro da organização que circula sobre os carris, mas que apenas consegue aceder a algumas zonas bastante limitadas. As sombras são inexistentes (a não ser dentro dos túneis), pelo que as temperaturas elevadas do verão devem ser evitadas. Não esquecer um bom abastecimento de água.
Curiosidades
A linha do Douro
- A Línea del Duero (Linha do Douro) foi construída para ligar a cidade do Porto à rede ferroviária espanhola. Em Espanha, são 77 quilómetros de ferrovia com um traçado maioritariamente em terreno plano até Fregeneda. É a partir daqui, nos últimos 17 quilómetros, coincidentes com a nossa rota pedonal, que a orografia do terreno se complica, obrigando a 'desbravar' as escarpas rochosas do Parque Natural das Arribas do Douro (Las Arribes), donas e senhoras daquele território. Nasce, assim, a faraónica construção deste caminho de ferro que configura uma das obras de engenharia civil espanhola mais importantes do século XIX.
A grande obra de engenharia ferroviária do século XIX
- Os 17 quilómetros que constituem o trilho situam-se no território montanhoso e escarpado de Las Arribes. Obrigou a desenhar e a construir uma verdadeira linha alpina, que vai dos 527 metros de altitude, da estação de La Fregeneda, aos 133, de Barca d'Alva. São 17 quilómetros em que túneis e pontes se sucedem a um ritmo quase alucinante.
A construção da linha
- As obras de construção iniciaram-se oficialmente em 31 de agosto de 1883, ao toque, simbólico, de uma buzina do cimo do monte Pigallo, a que se seguiram 1480 explosões. Para as localidades vizinhas, dizem, estes foram autênticos dias de festa. A obra durou quatro anos, tendo a linha sido inaugurada em 8 de dezembro de 1887 com a devida pompa e circunstância, em que o momento alto foi a união de dois comboios (um português, outro espanhol) no centro da ponte internacional que liga Vega Terrón a Barca d'Alva. Sem que ninguém precise de nos informar, percebe-se que terão sido quatro anos de grande dureza para os muitos trabalhadores (mais de 2 mil em certas alturas) que, com recurso a dinamite, tiveram de abrir túneis, bem como construir grandes pontes de ferro sobre as escarpadas ravinas. Se à perigosidade deste trabalho juntarmos as condições vulneráveis das infraestruturas sanitárias da época, é fácil deduzir o elevado número de mortes ali verificadas.
O fim da linha e o início de uma nova vida
- O número reduzido de passageiros (4 ou 5 pessoas por dia) ditou o encerramento da linha, praticamente cem anos depois da sua inauguração. O último comboio circulou por ali em 31 de dezembro de 1984, tendo a linha encerrado em definitivo no dia 1 de janeiro de 1985. Felizmente, catorze anos depois, em 1999, uma segunda oportunidade foi dada àquele prodígio da engenharia, com o governo espanhol a declará-la Bem de Interesse Cultural, elevando-a à categoria de Monumento. Mais do que merecido! A partir daí, certamente devido à beleza e interesse paisagístico da sua envolvente, foram muitas as pessoas que a percorreram a pé, mesmo quando as suas condições se deterioraram ao ponto de a tornarem perigosa e local de vários acidentes. Alvo de obras de reabilitação, foi aberta ao público em 2021 em condições de total segurança.
