West Highland Way: Etapa 5 | De Tyndrum a Inveroran ( 14,5 Km)
Wherever I wander, wherever I rove, The hills of the Highlands for ever I love.", Robert Burns
Partimos de Tyndrum bem cedinho e compramos alguns alimentos na Green Welly Stop. É a última oportunidade para o fazer durante 44 quilómetros, ou seja, nas duas etapas que se seguem. Saimos da localidade e seguimos por um trilho que é particularmente bonito, com a paisagem de montanha a dominar.
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A chuva da noite anterior aumentou os valores da humidade e, no início da nossa marcha, fomos atacados pelas midges. Uns irritantes mosquitos de tamanho mínimo que são um autêntico flagelo na Escócia. Apesar do seu diminuto tamanho, as suas picadas são bastante desagradáveis. A tal ponto, que a permanência no exterior é proibitiva ao final do dia. Desta vez, tivemos oportunidade de as enfrentar noutros horários. O repelente repele alguns, mas eles atacam em nuvem e acabam sempre por picar. Nesta altura, os meus braços e tornozelos estavam já cheios de marcas... Muitos caminhantes recorrem a chapéus com redes que protegem o rosto. Os que fazem campismo ao longo do WHW, e não são poucos, são as principais vítimas destas minúsculas e terríveis criaturas. As midges são, efetivamente, um grande problema das zonas mais rurais e remotas da Escócia!
Os vales e as montanhas estendem-se à nossa frente, deixando-nos extasiados. Mesmo! Em destaque, a visão imponente das encostas íngremes da Beinn Odhar e a pirâmide da Beinn Dorain que nos irão acompanhar até Bridge of Orchy, em cujo hotel uma paragem é bem-vinda, depois de cerca de dez quilómetros de caminhada.
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Em parte destes dez quilómetros, avistávamos a A82, pela qual, em anteriores idas à Escócia, já por várias vezes havíamos passado. Nessas passagens, ao vermos caminhantes com mochilas a percorrer aquele trajeto do WHW, sonhávamos que um dia o viessemos a fazer, não sabendo, então, que tal sonho haveria de ser concretizado.
À chegada ao hotel de Bridge of Orchy, somos recebidos com umas calorosas palmas pelos nossos companheiros de 'estrada'. Nesta altura, já nos conhecemos. Tal como no Caminho de Santiago, há um espírito de comunidade que se vai cimentando a cada dia. O hotel, soberbamente localizado, é muito bonito e sentamo-nos no terraço a tomar bebidas frescas. Sabe-nos pela vida! Há quem termine aqui a jornada, nós seguimos viagem. Os quilómetros que ainda temos pela frente não são muitos, mas vão ser intensos, com uma longa subida e subsequente descida.
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Bridge of Orchy tem uma estação de caminho de ferro, cuja linha nos acompanhou desde o Glen Falloch (perto de Crianlarich e St Fillan), que por duas vezes atravessámos, por passagens inferiores, e que agora só voltaremos a encontrar em Fort William.
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Depois de Bridge of Orchy, passada a emblemática e antiquíssima ponte que dá nome à localidade, logo somos desviados da estrada para um estreito caminho florestal.
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Vamos subindo a encosta e, bem no topo, onde 'nasceu' um memorial feito de pedras, há uma espécie de miradouro que proporciona as melhores vistas para o Loch Tulla e para a Black Mount. E é precisamente na Black Mount Estate que se situa uma casa que pertenceu ao autor do nosso conhecido James Bond. Ian Flemming de sua graça.
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Para lá de Inveroran, que daqui se avista, é já possível ter um 'cheirinho' do remoto Rannoch Moor, do qual só falarei no relato da próxima etapa. Quando falamos de Inveroran, enquanto localidade, estamos a falar apenas de um hotel e de duas ou três casas, o que nas Terras Altas escocesas é o bastante para que haja uma localidade com nome e tudo.
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Na parte mais íngreme da descida que nos levará ao Inveroran Hotel, destino da etapa de hoje, cruzamo-nos com uma esforçadíssima ciclista que, solitária, vem fazendo o West Highland Way no sentido inverso (de norte para sul). A acentuada inclinação do terreno obriga-a a transportar a bicicleta às costas, pelo que, é com uma visível sensação de alívio que, para trocar algumas palavras connosco, a pousa no chão. O esforço daquela rapariga fez-me relativizar o meu, manifestamente menor. Durante todo o caminho, apenas encontrámos três ciclistas, o que demonstra bem a dureza de alguns trajetos.
No final da descida, chegamos ao alojamento. Um pequeno hotel cheio de charme e de um conforto que, para um tempo mais fresco, seria perfeito, mas que é pouco adequado à anormal temperatura quente que se fazia sentir. As casas escocesas estão preparadas para o frio, mas não para o calor. Ainda agora, quando penso nas belíssimas lãs, que tanto utilizam para decorar e 'vestir' os interiores, sinto-me a sufocar... Do exterior, também muito agradável, quase não pudemos usufruir, sob pena de sermos 'devorados' pelas midges.
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Portanto, depois do jantar, por sinal muito catita, tivemos de ir dormir. Em junho, na Escócia, onde se janta cedo, a luz do dia prolonga-se para lá das 23h. Por esse motivo, acabamos por nos deitar quase sempre ainda de dia...
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Este hotel encerra uma curiosidade dos tempos em que era uma modestíssima estalagem. É que William Wordsworth, um dos maiores poetas românticos ingleses, com a sua irmã, Dorothy, foram dos primeiros viajantes turísticos nestas inóspitas zonas. Corria o ano de 1803, as estalagens eram raras e muito simples e os companheiros de viagem eram transportadores de gado (drovers). Não havia Tripadvisor na altura, mas ainda assim, sendo escritor, Wordsworth não deixou de tornar pública a sua pouco abonatória opinião sobre o espaço. Dorothy, também ela autora, escreveu um comentário em que evocava a estalagem "ocupada por sete ou oito viajantes, provavelmente drovers, com igual número de cães, sentados num círculo completo à volta de uma fogueira de turfa (peat), cada um com um recipiente de madeira cheio de porridge, em cima dos joelhos." Felizmente, não havia Estrelas Michelin nem redes sociais, caso contrário o nosso charmoso hotelzinho não teria chegado ao século XXI.