Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

18.09.23

West Highland Way: Bem-vindos a Rowardennan


Emília Matoso Sousa
Viajar é descobrir, o resto é simples encontrar.", José Saramago in Viagem a Portugal
 
Percorrer o West Highland Way é penetrar numa Escócia profunda e repleta de recantos idílicos, distante da 'confusão' de turistas que, infelizmente, já começa a acontecer em alguns locais. Em todo o caso, a essência do país mantém-se, por enquanto, e a paisagem natural continua a ser a sua grande valia, sentindo-se a civilização sempre por perto, mesmo nas paisagens mais remotas, e isso é o que apreciamos na Escócia e o que nos tem feito voltar ano após ano. Desta vez, para uma fantástica aventura a pé!

aa52.jpg

Rowardennan, um lugar para a reflexão.
Caminhar pelo West Highland Way permite-nos um olhar diferente sobre zonas que estão fora dos circuitos mais óbvios e Rowardennan, na margem oeste do Loch Lomond, é um desses exemplos. Antes de seguir viagem, vale a pena fazer aqui uma breve 'paragem' para conhecer melhor algumas especificidades da zona. Afinal, é também esse um dos objetivos da nossa empreitada!
 
Enquanto localidade, Rowardennan resume-se a pouco mais do que um hotel, um albergue e um B&B, por sinal com uma honesty box apetrechada de coisas boas. Afinal, não há qualquer loja num raio de muitos quilómetros! Tudo o mais é natureza, nesta terra que sobe das margens do loch ao topo do Ben Lomond. Ainda assim, há inúmeras coisas para fazer, desde que para isso haja disponibilidade. Passear nas bonitas margens do Loch Lomond, visitar o memorial de guerra, ou passear pelas suas florestas nativas é, certamente, o programa ideal para os mais tranquilos. Já os mais 'irrequietos' irão aceitar o desafio de subir às alturas do Ben Lomond. Com 974 metros de altitude, a sua silhueta destaca-se na margem oriental do loch, sendo a mais setentrional das montanhas escocesas e, por conseguinte, facilmente acessível aos milhares de pessoas que, anualmente, a pretendem subir, algo que acontece, pelo menos, desde 1756. Desta vez, o nosso foco não era subi-la... ficará, ou não, para outra oportunidade. Toda a envolvente do loch,  toda aquela natureza 'em bruto', por incrível que pareça, encontra-se a menos de 50 quilómetros da metrópole urbana que constitui Glasgow.
rowar3.jpg

rowar2.jpg

rowar4.jpg

Beinn Laomainn, Beacon Hill, Ben Lomond.
Etimologicamente falando, é no gaélico que se encontra a origem do seu nome, cuja tradução literal é, mais ou menos, a colina do farol. Na verdade, ele é visível, a grande distância (desde grande parte da Escócia Central) e o seu topo, a 974 metros, recompensa os alpinistas com vistas espetaculares das highlands, para norte, e das lowlands, para sul. É, pois, uma das caminhadas mais populares na Escócia desde o século XVIII, sendo percorrido anualmente por cerca de 40 mil pessoas. A má notícia é o desgaste que os trilhos vão sofrendo, alargando-se e tornando-se cicatrizes visíveis na paisagem. Na década de 1980, o trilho principal era tão largo, que era conhecido pela "outra M8", nada menos do que a autoestrada mais movimentada da Escócia! Bom humor é algo que não falta aos nossos amigos escoceses! Para reparar os estragos e recuperar a vegetação, muito tem sido o trabalho feito desde essa altura, com foco na manutenção para que os trilhos não voltem a alargar. Os trabalhos são efetuados por equipas onde não faltam voluntários e decorrem ao longo de aproximadamente 250 dias por ano. Aos caminhantes compete manter-se no trilho, não cedendo à tentação de caminhar sobre as mais 'fofas' e confortáveis bermas laterais. 
 
Munros, munro bagging e munroists.
Para princípio de conversa, esclareça-se que munro é a designação que, na Escócia, se dá a uma montanha com altura superior a 3000 pés (914,4 metros) com registo no Clube de Montanhismo Escocês. O mais conhecido é o Ben Nevis que, com 1345 metros (4411 pés), é o mais alto do Reino Unido. Como curiosidade, a designação deve-se a Sir Hugh Munro que, em 1891, produziu a primeira lista de tais montanhas, conhecida como Munro's Tables. Em dezembro de 2020, estavam listados no Clube de Montanhismo 282 munros
 
Ora, na Escócia, os munros são casos sérios, não sendo poucos os escoceses (e não só) que querem subir ao topo de todos os munros listados. Trata-se do Munro Bagging. Completar a 'volta' não é fácil. Ainda assim, até dezembro de 2022, 7390 pessoas já tinham conseguido a proeza. A primeira volta completa seguida foi concluída em 1974, por Hamish Brown. A volta seguida mais rápida pertence a Jamie Aarons, concluída em junho de 2023, em 31 dias, 10 horas e 27 minutos. 
 
E não se pense que, por não serem muito elevados, os munros  são fáceis de escalar. Na verdade pode ser muito complicado e traiçoeiro, devido à sua latitude e exposição às condições climatéricas do Atlântico e do Árctico. Mesmo no verão, pode haver nevoeiros, ventos fortes, chuvas e temperaturas muito baixas. Munroist é a designação que se dá a quem escalou todos os munros. Ele há loucos para tudo!

rowar11.jpg

 Lochs e mais lochs...
Lochs, em gaélico escocês, ou lagos, é o que há mais nas Terras Altas escocesas. Montanhas, vales e lagos são os grandes atrativos desta Escócia cénica, mágica, dramática e selvagem, dona de uma beleza natural ímpar em todo o Reino Unido. No West Highland Way, o grande protagonista é o Loch Lomond, o maior lago de água doce da Grã-Bretanha (no Reino Unido apenas é suplantado pelos Lough Neagh e Lough Erne, na Irlanda do Norte). Por se situar na Falha das Highlands, é frequentemente considerado a fronteira entre as Terras Baixas, na Escócia Central, e as Terras Altas. Está integrado no Loch Lomond and the Trossachs National Park. No que diz respeito a números, estamos a falar de cerca de 39 quilómetros de comprimento para um máximo de 8 de largura, ocupando uma área de 72 quilómetros quadrados. A sua profundidade média é de 37 metros, para um máximo de 190. Tem 60 ilhas, nem sempre todas visíveis, sendo as principais Inchcailloch, Inchmurrin, Inchfad. Em volume de água é, no entanto, ultrapassado pelo Loch Ness. Na sua margem oriental, destaca-se a silhueta do Ben Lomond, com os seus 974 metros de altitude. Em 2005, foi considerado uma das seis maravilhas naturais da Grã-Bretanha, de acordo com os leitores da revista britânica Radio Times.
Nota marginal: Na Escócia, o conceito de loch tanto é aplicado aos lagos interiores, de água doce, como a extensões de mar terra adentro e, assim, de água salgada, do tipo dos fiordes noruegueses.

rowar10.jpg

A bem da Natureza | Recuperação e regeneração de florestas
A preocupação dos escoceses com a conservação da natureza é uma constante ao longo do caminho. Neste local, painéis informativos dão nota do trabalho realizado para dotar Rowardennan das melhores condições para a vida selvagem e para os seus visitantes. Exemplo disso mesmo é o restauro das florestas de carvalhos nativos, não apenas pela sua beleza, mas também por serem habitat vital para cerca de 300 espécies selvagens.

rowar9.jpg

De facto, nunca a necessidade de preservar a Natureza esteve tão em foco como agora, tendo em conta a frequência exagerada de fenómenos climatéricos fora de época e de contexto, sinais evidentes de que o Homem estará, porventura, a passar dos limites no que à sua relação com o meio diz respeito. Linhas vermelhas são ultrapassadas todos os dias e isso é preocupante. É, pois, com satisfação, e com uma pontinha de esperança, que olho para todos os projetos, cuja finalidade é contrariar a degradação do nosso planeta. E ao percorrer o WHW, deparamo-nos com alguns projetos de recuperação de florestas, enquanto património natural fundamental para o equilíbrio de ecossistemas e da biodiversidade. Curiosamente, há, ali, o cuidado de, a par e passo, informar sobre tudo o que está a ser feito, por quem e com que objetivo. Acredito que desta forma se fomenta o interesse das pessoas, envolvendo-as e levando-as a respeitar e a preservar o trabalho feito ou em curso. 

rowar6.jpg

rowar7.jpg

Um pouco à frente, a Craigrostan Woods, cujos carvalhos do Atlântico em tempos cobriram as encostas das margens do loch, é disso exemplo. Dessa antiga floresta, sobreviveram apenas alguns carvalhos nativos, devido ao terreno inclinado e pedregoso. Agora, há que preservá-los!  Hoje, é difícil imaginar, mas esta tranquila floresta foi, em tempos, um lugar industrial. Todas as primaveras, a área enchia-se de mulheres e crianças a podar e a descascar troncos, os quais continham ácidos que, destilados, eram usados como fixadores de  corantes nas grandes fábricas de têxteis no vale do Leven. Atualmente, estas florestas são valorizadas e geridas como habitat raro para uma variedade rica de vida selvagem. Só como curiosidade, aqui, neste mesmo local, antes do início dos trabalhos, não se conseguia ver o chão debaixo das árvores e todas as espécies nativas estavam completamente tapadas devido à invasão de rododendros. Bonitos, mas extremamente invasores! Quais os trabalhos feitos? Cercas contra veados e cabras selvagens, tratamento dos fetos, escarificação dos terrenos e limpeza intensiva dos rododendros...

rowar5.jpg

rowar8.jpg

É bom saber que há quem trabalhe no sentido de recuperar e preservar a natureza, apesar de, no campo oposto, haver quem se esforce, e muito, para a destruir, no âmbito de uma luta muito desigual. Vamos acreditar que, como na ficção, os bons, no final, acabem por vencer!