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Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

13.09.23

West Highland Way: Etyapa 2 | De Drymen a Rowardennan (24 Km)


Emília Matoso Sousa

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A jornada, hoje, vai ser longa, as previsões de tempo são de algum calor, há que partir cedo. Tomado o full Scottish breakfast, fazemo-nos à estrada. Espera-nos um dos pontos altos, figurada e literalmente, do WHW - a subida do icónico Conic Hill (iconic hill?). Trata-se de uma colina bastante proeminente, com 361 metros de altura, situada na margem este da Highland Boundary Fault (Falha das Highlands), uma caraterística geográfica, na Escócia Central, que faz a separação entre a parte ocidental das Terras Baixas e o Sul das Terras Altas. Entre as duas, as diferenças são grandes, seja ao nível da paisagem, flora e fauna, seja das respetivas heranças culturais. A subida à colina faz parte da secção do caminho entre Drymen e Balmaha, e é uma das caminhadas mais concorridas em terras escocesas, sendo realizada anualmente por cerca de 200 mil pessoas, a partir de Balmaha.

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Percorremos os 800 metros do desvio feito no dia anterior. Quase na saída da vila, um apontamento curioso: uma honesty box para venda de água com a indicação de que este seria o último ponto de venda até Balmaha.

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Por caminho rural, seguimos até penetrar na Gerardban Forest, onde cruzamos o Rob Roy’s Way, um dos caminhos aqui existentes. Após uma descida, começamos a ver o Conic Hill. Dá para perceber que vamos ter de subir bastante para lá chegar, mas sabemos que vai valer a pena. Por isso, não optamos pelo caminho alternativo, direto e mais fácil, para Balmaha.

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Com o cone da colina em fundo, enquadrado pela vastidão de uma envolvente plana e verdejante, pontuada por ovelhinhas brancas, e cortada por um traço sinuoso a desenhar o caminho, começamos a deixar-nos levar e a envolvermo-nos na própria paisagem. Chega a ser hipnotizante. Dizer que estes cenários são bonitos começa a ser um lugar comum, mas é a verdade.

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O que fica para sempre, o que nos revolve a alma é o que não pode ser capturado pela moldura.", Mia Couto in Pensageiro Frequente

A subida, suave ao início, começa a tornar-se mais íngreme e, à medida que subimos e olhamos em volta, tudo se vai modificando. Um casal de ‘velhotes’ aproxima-se e trocamos algumas palavras. Ficamos a saber que vão ‘apenas’ subir o Conic Hill para fazer um piquenique. Depois, regressam a Balmaha. Valentes! A paisagem vai-nos envolvendo cada vez mais. 360 graus de um panorama de tirar o fôlego. Não somos ‘novatos’ no que ao conhecimento da Escócia diz respeito, mas, viagem após viagem, não paramos de nos surpreender com tanta beleza natural. Queremos levar para casa ‘bocadinhos’ da Escócia, mas não há câmara fotográfica que lhe consiga fazer justiça.

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Lá em cima, as vistas para o Loch Lomond e para as suas ilhas e ilhotas são arrebatadoras. É o maior lago de água doce da Grã-Bretanha, com 39 quilómetros de comprimento para um máximo de 8 de largura. Já se falarmos das Ilhas Britânicas, só é superado pelo Lough Neagh, na Irlanda do Norte.

Das alturas do Conic Hill, são visíveis algumas das 60 ilhas que 'crescem' no lago, como as Inchcailloch, Torrinch, Creinch, Inchmurrin, entre outras. Em dias de boa visibilidade, é possível ver a Isle of Arran (já nossa conhecida e a merecer uma visita), também ela situada na Highland Boundary Fault. Para as melhores vistas, ainda há que subir a um patamar mais acima, a poucos metros do topo. Para lá se chegar, há que enfrentar uma pequena subida muito inclinada e com um piso coberto de cascalho e torrões, bastante inseguro (uma espécie de crumble de pedras e pedrinhas, piso mesmo bom para quedas). As vistas são só soberbas! Após alguns momentos de contemplação, há que retomar o caminho, descendo o que antes tínhamos subido. Subir ainda vá que não vá, mas descer é que são elas! A verdade é que todos descem com recurso aos quatro apoios. E não é que os ‘nossos velhotes’ também subiram? Nem queríamos acreditar!

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Até Balmaha é sempre a descer. E que descida! O piso, não sendo desconfortável, é visualmente muito agressivo, todo em pedras, algumas a configurarem degraus. Os pisos das secções mais percorridas do WHW são alvo de constantes intervenções de manutenção, trabalho muitas vezes feito por voluntários. Ao manter o piso arranjado, evita-se que se caminhe fora do trilho, tornando-o mais confortável e, ao mesmo tempo, preservando ao máximo a envolvente. Na descida para Balmaha são bem visíveis esses melhoramentos.

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Balmaha é uma pequena vila situada na margem leste do Loch Lomond, a pouca distância de Glasgow (circa 40 Km), o que faz com que seja muito procurada por turistas para atividades de exterior. É daqui que partem muitos dos milhares de pessoas que, anualmente, sobem ao Conic Hill.

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A Oak Tree Inn é, aqui, paragem obrigatória. Para repor os líquidos e para um breve descanso, pois o que ainda temos pela frente não vai ser nada fácil!
Damos uma volta pela linda baía, enfeitada com os seus fotogénicos barquinhos, e visitamos o parque dedicado à memória de Tom Weir (n. 29 dez 1914 m. 6 jul 2006). Um montanhista, fotógrafo, jornalista, escritor, radialista e ativista ambiental, aqui apresentado como o “Scotland’s most loved mountain man”. Uma estátua e um conjunto de painéis informativos fazem a justa homenagem a este defensor da natureza, cujos escritos influenciaram o governo estadunidense a declarar Yellowstone e Yosemite como parques nacionais, os primeiros desta natureza, ao nível mundial. Não é, pois, de admirar que no seu 86º aniversário, em 2000, Tom Weir tenha sido a primeira pessoa a alguma vez receber o John Muir Trust's Lifetime Achievement Award. Ambos os homens foram excelentes comunicadores e ativistas implacáveis pela conservação da natureza. John Muir morreu em 1914, no dia 24 de dezembro, Tom Weir nasceu cinco dias depois. 

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In every walk with nature one receives far more than he seeks“, John Muir

Um ambientalista do futuro?
John Muir, escocês-americano, foi considerado um dos fundadores do movimento conservacionista moderno, sendo a ‘pedra’ basilar do seu pensamento o princípio de que o homem é parte da natureza, pelo que os seus direitos não poderão ser maiores do que os dos restantes animais. Além de ter influenciado Theodore Roosevelt para a criação dos parques naturais,  foi ainda o fundador de uma das primeiras associações do mundo a ter como objetivo a proteção da natureza, a ONG Sierra Club. “Pai dos parques nacionais do EUA”, “Profeta da vida selvagem” e “Cidadão do Universo” foram alguns dos epítetos que recebeu. Engana-se quem pensa que as preocupações ambientais são questões da atualidade!

Até Rowardennan, ainda teríamos 9 quilómetros. Uma distância tranquila, em circunstâncias normais, até porque íamos ladear as margens do Loch Lomond. De facto, foram quilómetros de paisagens muito bonitas, com praias onde pessoas faziam piqueniques e se divertiam, alternados com desvios para o interior feitos à custa de subidas e descidas pouco ‘simpáticas’. Foi mais duro do que esperávamos, ainda por cima, debaixo de um calor húmido pouco suportável.

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Aqui e ali, junto às margens do loch, viam-se tendas. Pequenas tendas para uma ou duas pessoas, a darem-nos nota de que o final da etapa estava próximo. O campismo selvagem é permitido na Escócia, na condição de se cumprirem algumas regras, desde logo deixar o local tal qual se encontrou. E quem quiser fazer lume, terá de levar a sua própria lenha, pois é proibido cortar galhos das árvores ou usar os chamados troncos ‘mortos’ (dead wood), tão importantes para fornecer alimento e habitat a algumas espécies. A escassez de alojamento ao longo do WHW faz com que muitos caminhantes tenham de recorrer ao campismo. Pode não ter muitos luxos (ou nenhuns), mas a localização de certos spots é imbatível, essa é que é a verdade.

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Há ainda zonas de campismo ‘semi selvagem’, onde apenas são disponibilizados serviços básicos, como o caso do Woodland Camping; e parques de campismo 'normais'. Um bom exemplo é o Sallochy Woodland Camping, situado na margem este do Loch Lomond e com vistas magníficas, não apenas para o loch, mas também para os Arrochar Alps. Com uma praia e uma floresta de carvalhos com mais de 200 anos, esta será, sem dúvida, uma experiência de campismo selvagem num espaço com as infraestruturas básicas: água potável, duches e WC.

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Chegamos finalmente ao nosso destino, Rowardennan, onde pouco mais há do que o nosso hotel, onde íamos também jantar. A localização do hotel é excelente, mesmo ali ao pé do loch. O jantar escocês, finalizado com a melhor sobremesa do mundo, e uma volta junto até às águas do loch para apreciar o cair do Sol fechou a jornada. E que melhor forma de acabar o dia do que a assistir ao Sol a esconder-se atrás da massa de água do lago? As fotografias apenas dão um 'cheirinho' do espetáculo a que tivemos direito...

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