Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

25.09.23

West Highland Way: Etapa 3 | De Rowardennan a Inverarnan (22,5 Km)


Emília Matoso Sousa
On the bonnie, bonnie banks o'Loch Lomond", Canção Tradicional Escocesa
 etapa3_9.jpg

O refrão faz parte de uma canção tradicional escocesa, cuja letra remete, justamente, para o Loch Lomond, que hoje nos vai acompanhar ao longo de toda a jornada. Sabemos que vai ser uma etapa com alguns trajetos complicados, mas não desconfiamos que vai ser, de longe, a etapa mais difícil de todo o caminho.

etapa3_0.jpg

Iniciamos o dia particularmente motivados. Vamos andar nas margens do loch e isso é garantia de paisagens que nos vão maravilhar. Depois de uma voltinha 'turística' pela zona, iniciamos a nossa marcha. Sabemos que, sensivelmente, dois quilómetros depois, há uma bifurcação: ou seguimos à beira do lago, ou optamos por um caminho mais afastado e menos acidentado, sendo este o oficial segundo os guias que consultámos. Mas a sinalética indica a beira do loch e por aí seguimos. Quanto nos viríamos a arrepender! Pedras e pedregulhos, menos ou mais amontoados, trilhos estreitos e ziguezagueantes atravessados pelas salientes raízes seculares das árvores que ladeiam a margem do lago... De facto, o cenário é muito bonito, e a margem, que por vezes se transforma em pequenas praias, fornece-nos imagens dignas de filme.

etapa3_4.jpg

etapa3_6.jpg

etapa3_7.jpg

etapa3_8.jpg

As árvores e as suas caprichosas raízes, grossas e  elaboradas numa espécie de tricô estendido debaixo dos nossos pés, nem parecem reais. É preciso muito cuidado para não tropeçar! Aqueles obstáculos de pedra pareciam não ter fim. Um quilómetro, dois quilómetros, três, quatro... sempre que havia um pequeno trilho de terra batida, fazíamos uma festa. Já faltaria pouco? Cinco quilómetros, seis... Chegamos ao Inversnaid Hotel, por sinal bastante charmoso, situado numa pequena comunidade rural com o mesmo nome. Uma estrutura hoteleira absolutamente improvável num sítio no meio de nada, algo muito comum na Escócia. Para alguns, é local de pernoita, para outros, apenas uma breve paragem ténica. Os caminheiros são bem-vindos, sendo-lhes proporcionadas facilidades de acesso ao bar e casas de banho. 

etapa3_15.jpg

 etapa3_14.jpg

O destaque aqui vai para uma queda de água bastante refrescante e para um porto de onde parte um pequeno ferry para Inveruglas, na outra margem. Inversnaid é particularmente interessante para os amantes da natureza por se inserir na reserva natural da Great Trossachs Forest e da RSPB Scotland (Royal Society for the Protection of Birds). É também aqui que o Great Trossachs Path se junta ao West Highland Way. 

etapa3_13.jpg

etapa3_12.jpg

O Great Trossachs Path situa-se em pleno coração do Loch Lomond e é um trilho de longa distância (48 km) que faz parte da rede de grandes trilhos da Escócia, podendo interligar-se entre eles num nunca acabar de contactos privilegiados com paisagens naturais deslumbrantes.
 
Seguimos viagem, após uns minutos de descanso na aprazível esplanada do hotel, convencidos de que o pior já tinha passado e de que a partir daqui, o caminho seria mais suave. Mas não. Piorou e de que maneira! Na verdade, o troço que tínhamos pela frente, entre Inversnaid e Inverarnan, viria a revelar-se o mais difícil de todo o WHW!

etapa3_16.jpg

Um Robin dos Bosques escocês
A Escócia é um país com um imaginário rico em histórias fantásticas. Quem nunca ouviu falar do famoso Ness, o monstro que habita o lago com o mesmo nome? Nessie, para os amigos... Mas também há heróis, uns mais reais do que os outros, mas todos protagonistas de momentos de glória e aventuras épicas reveladores da bravura dos escoceses. Ora, é neste caminho pedregoso,  pouco depois do Inversnaid Hotel, que se situa o suposto esconderijo de Robert Roy MacGregor, mais conhecido por Rob Roy, do clã MacGregor, um rebelde jacobita escocês nascido em 1671. De acordo com a lenda ter-se-á tornado um salteador muito popular que, qual Robin dos Bosques, roubava aos ricos para dar aos pobres. Um herói, portanto, ainda que fora da lei. Claro que só se tornou fora de lei depois de, após ter lutado, e sido derrotado, ao lado dos jacobitas pela restituição do reino aos Stuarts, lhe terem expropriado as terras.

etapa3_18.jpg

etapa3_20_gru.jpg

O esconderijo, conhecido como Rob Roy's Cave, por onde temos a honra de passar, é uma espécie de gruta formada por blocos rochosos, e não poderia ficar situada em local mais inóspito e inacessível. Precisamente neste local, onde há um declive de rochas particularmente agressivo, cruzamo-nos com uma senhora que vem em sentido contrário a quem perguntamos se ainda há muitos pedregulhos para ultrapassar... e que nos responde que, até ao final da etapa, ia ser quase sempre assim ou pior. Great!

etapa3_19.jpg

De facto, foram mais seis ou sete quilómetros diabólicos, até nos afastarmos das margens do lago em direção ao interior. O caminho torna-se menos pedregoso, mas nem por isso muito mais suave. O piso é desconfortável e tem bastante subida. 

etapa3_23.jpg

etapa3_22.jpg

Uma pequena placa indica que ali perto se pode apanhar um ferry, o Ardlui Ferry. Indica também que, na outra margem, há um hotel com o mesmo nome, bem como uma loja, um camping, uma lavandaria e duches. Um excelente local para pernoitar, certamente. De ferry ou de cais é que não havia sinal. Além da estranheza perante a existência de um barco num local onde só passam os caminheiros do WHW. Mas na Escócia profunda tudo é possível. Posteriormente, deslindámos o mistério. O barco faz o transfer de clientes de e para o hotel e é chamado através de um peculiar sistema em que o hóspede faz subir uma bola vermelha para o topo de um mastro, como se içasse uma bandeira. E esta? 

etapa3_29.jpg

etapa3_25.jpg

Passamos por um bothy, onde alguns caminheiros já nossos conhecidos já se instalaram para passar a noite. Bothies são pequenas e simples casas de pedra que servem de abrigo a quem passa. Originalmente, eram usados por trabalhadores do campo ou outros, atualmente podem ser usados por qualquer pessoa. Estão sempre de porta aberta e são gratuitos, apenas oferecendo as comodidades mais rudimentares. Existem vários espalhados pela Escócia, invariavelmente, em sítios inóspitos, sendo geridos pela Mountain Bothies Association e a sua utilização obedece a um conjunto de regras de conduta, que todos cumprem.

etapa3_27.jpg

Para compensar todo o desespero causado pela dificuldade do caminho, que entretanto estava a consumir muito mais tempo do que o previsto, as vistas e toda a envolvente nunca deixaram de nos encantar. Há que manter o pensamento positivo pensando no privilégio que é podermos fazer parte daquela paisagem única. 

etapa3_30.jpg

etapa3_28.jpg

Por esta altura, já quase perdemos a esperança de chegar ao alojamento a tempo de jantar. A única hipótese que teríamos de jantar! Paciência! Algo que esta atividade nos ensina é que por mais que seja posto à prova, o ser humano tem uma capacidade quase infinita de se adaptar. E aquilo que num momento é essencial, rapidamente passa a secundário ou mesmo a dispensável. Naquele momento o importante era chegar (inteiros) ao nosso destino, onde nos esperava um duche e uma cama para um descanso reparador.
      
Começamos, finalmente, a descer para Inverarnan. O parque de campismo Beinglas Farm, por onde passamos, indica que estamos prestes a chegar. Do Beinglas Camping o mínimo que se pode dizer é que é uma instituição do caminho. Principescamente situado perto do Loch Lomond, na base do Ben Glas, é muito popular junto dos caminheiros, pois oferece um conjunto muito completo de estruturas de apoio - WC, duches, facilidades para cozinhar, restaurante, café, pub e uma loja. Tudo isto, rodeado por um cenário idílico: montanhas, loch, zonas verdes... um spot mítico para quem faz o caminho e um local de pernoita muito frequentado. 

etapa3_31.jpg

Nós optámos por ficar na Drover's Inn, uma estalagem (adoramos as estalagens escocesas) que conta mais de três séculos. É obra! Com o devido, e merecido orgulho, fazem gáudio em publicitar que o seu pub foi eleito Scottish Pub of the Year em 1705... A qualidade que vem de longe, não duvidamos. Por fim, mas não menos importante, é o alojamento supostamente mais assombrado na Grã-Bretanha, fama que a própria estalagem faz questão de publicitar. Além disso, o edifício é lindo e mantém a traça original. Dito isto, e com a um belo jantarinho escocês já na nossa mira (sim, contrariando os nossos receios, ainda encontrámos a cozinha aberta), todo o nosso cansaço e eventual pessimismo ficou pelo caminho e já só pensavamos na etapa seguinte.  

etapa3_34.jpg

etapa3_35.jpg

etapa3_33.jpg

De estalagem em estalagem.
Existem, por todo o Reino Unido, muitas estalagens (inns) muito antigas. Cheias de histórias acerca de hóspedes menos ou mais famosos, são sobreviventes de um tempo em que as pequenas deslocações, mesmo as mais curtas, reclamavam que se pernoitasse fora. Muitos desses alojamentos situam-se em zonas rurais, literalmente, no meio de nenhures, sendo instalações modestas, já que a sua finalidade não era turística. A Drover’s Inn recebe o seu nome, precisamente, por albergar drovers, aqueles que, noutros tempos, transportavam o gado de terra em terra, neste caso, das highlands para as lowlands. Era uma vida dura. Por dia, percorriam apenas cerca de 10 milhas, o mínimo que evitasse que os animais perdessem peso e, por conseguinte, valor de mercado. Qual 007, tinham permissão para usar pistolas e punhais para proteger o gado de eventuais salteadores. Conheciam as terras como as palmas das suas mãos, sabiam quais as estradas mais fáceis para atravessar as montanhas, onde estavam os melhores pastos e quais os melhores sítios para pernoitar. Muitas vezes, dormiam sob as estrelas… embrulhados nos seus xadrezes. Andarão alguns ainda a vaguear pela Drover’s Inn? Nós não encontrámos nenhum.
18.09.23

West Highland Way: Bem-vindos a Rowardennan


Emília Matoso Sousa
Viajar é descobrir, o resto é simples encontrar.", José Saramago in Viagem a Portugal
 
Percorrer o West Highland Way é penetrar numa Escócia profunda e repleta de recantos idílicos, distante da 'confusão' de turistas que, infelizmente, já começa a acontecer em alguns locais. Em todo o caso, a essência do país mantém-se, por enquanto, e a paisagem natural continua a ser a sua grande valia, sentindo-se a civilização sempre por perto, mesmo nas paisagens mais remotas, e isso é o que apreciamos na Escócia e o que nos tem feito voltar ano após ano. Desta vez, para uma fantástica aventura a pé!

aa52.jpg

Rowardennan, um lugar para a reflexão.
Caminhar pelo West Highland Way permite-nos um olhar diferente sobre zonas que estão fora dos circuitos mais óbvios e Rowardennan, na margem oeste do Loch Lomond, é um desses exemplos. Antes de seguir viagem, vale a pena fazer aqui uma breve 'paragem' para conhecer melhor algumas especificidades da zona. Afinal, é também esse um dos objetivos da nossa empreitada!
 
Enquanto localidade, Rowardennan resume-se a pouco mais do que um hotel, um albergue e um B&B, por sinal com uma honesty box apetrechada de coisas boas. Afinal, não há qualquer loja num raio de muitos quilómetros! Tudo o mais é natureza, nesta terra que sobe das margens do loch ao topo do Ben Lomond. Ainda assim, há inúmeras coisas para fazer, desde que para isso haja disponibilidade. Passear nas bonitas margens do Loch Lomond, visitar o memorial de guerra, ou passear pelas suas florestas nativas é, certamente, o programa ideal para os mais tranquilos. Já os mais 'irrequietos' irão aceitar o desafio de subir às alturas do Ben Lomond. Com 974 metros de altitude, a sua silhueta destaca-se na margem oriental do loch, sendo a mais setentrional das montanhas escocesas e, por conseguinte, facilmente acessível aos milhares de pessoas que, anualmente, a pretendem subir, algo que acontece, pelo menos, desde 1756. Desta vez, o nosso foco não era subi-la... ficará, ou não, para outra oportunidade. Toda a envolvente do loch,  toda aquela natureza 'em bruto', por incrível que pareça, encontra-se a menos de 50 quilómetros da metrópole urbana que constitui Glasgow.
rowar3.jpg

rowar2.jpg

rowar4.jpg

Beinn Laomainn, Beacon Hill, Ben Lomond.
Etimologicamente falando, é no gaélico que se encontra a origem do seu nome, cuja tradução literal é, mais ou menos, a colina do farol. Na verdade, ele é visível, a grande distância (desde grande parte da Escócia Central) e o seu topo, a 974 metros, recompensa os alpinistas com vistas espetaculares das highlands, para norte, e das lowlands, para sul. É, pois, uma das caminhadas mais populares na Escócia desde o século XVIII, sendo percorrido anualmente por cerca de 40 mil pessoas. A má notícia é o desgaste que os trilhos vão sofrendo, alargando-se e tornando-se cicatrizes visíveis na paisagem. Na década de 1980, o trilho principal era tão largo, que era conhecido pela "outra M8", nada menos do que a autoestrada mais movimentada da Escócia! Bom humor é algo que não falta aos nossos amigos escoceses! Para reparar os estragos e recuperar a vegetação, muito tem sido o trabalho feito desde essa altura, com foco na manutenção para que os trilhos não voltem a alargar. Os trabalhos são efetuados por equipas onde não faltam voluntários e decorrem ao longo de aproximadamente 250 dias por ano. Aos caminhantes compete manter-se no trilho, não cedendo à tentação de caminhar sobre as mais 'fofas' e confortáveis bermas laterais. 
 
Munros, munro bagging e munroists.
Para princípio de conversa, esclareça-se que munro é a designação que, na Escócia, se dá a uma montanha com altura superior a 3000 pés (914,4 metros) com registo no Clube de Montanhismo Escocês. O mais conhecido é o Ben Nevis que, com 1345 metros (4411 pés), é o mais alto do Reino Unido. Como curiosidade, a designação deve-se a Sir Hugh Munro que, em 1891, produziu a primeira lista de tais montanhas, conhecida como Munro's Tables. Em dezembro de 2020, estavam listados no Clube de Montanhismo 282 munros
 
Ora, na Escócia, os munros são casos sérios, não sendo poucos os escoceses (e não só) que querem subir ao topo de todos os munros listados. Trata-se do Munro Bagging. Completar a 'volta' não é fácil. Ainda assim, até dezembro de 2022, 7390 pessoas já tinham conseguido a proeza. A primeira volta completa seguida foi concluída em 1974, por Hamish Brown. A volta seguida mais rápida pertence a Jamie Aarons, concluída em junho de 2023, em 31 dias, 10 horas e 27 minutos. 
 
E não se pense que, por não serem muito elevados, os munros  são fáceis de escalar. Na verdade pode ser muito complicado e traiçoeiro, devido à sua latitude e exposição às condições climatéricas do Atlântico e do Árctico. Mesmo no verão, pode haver nevoeiros, ventos fortes, chuvas e temperaturas muito baixas. Munroist é a designação que se dá a quem escalou todos os munros. Ele há loucos para tudo!

rowar11.jpg

 Lochs e mais lochs...
Lochs, em gaélico escocês, ou lagos, é o que há mais nas Terras Altas escocesas. Montanhas, vales e lagos são os grandes atrativos desta Escócia cénica, mágica, dramática e selvagem, dona de uma beleza natural ímpar em todo o Reino Unido. No West Highland Way, o grande protagonista é o Loch Lomond, o maior lago de água doce da Grã-Bretanha (no Reino Unido apenas é suplantado pelos Lough Neagh e Lough Erne, na Irlanda do Norte). Por se situar na Falha das Highlands, é frequentemente considerado a fronteira entre as Terras Baixas, na Escócia Central, e as Terras Altas. Está integrado no Loch Lomond and the Trossachs National Park. No que diz respeito a números, estamos a falar de cerca de 39 quilómetros de comprimento para um máximo de 8 de largura, ocupando uma área de 72 quilómetros quadrados. A sua profundidade média é de 37 metros, para um máximo de 190. Tem 60 ilhas, nem sempre todas visíveis, sendo as principais Inchcailloch, Inchmurrin, Inchfad. Em volume de água é, no entanto, ultrapassado pelo Loch Ness. Na sua margem oriental, destaca-se a silhueta do Ben Lomond, com os seus 974 metros de altitude. Em 2005, foi considerado uma das seis maravilhas naturais da Grã-Bretanha, de acordo com os leitores da revista britânica Radio Times.
Nota marginal: Na Escócia, o conceito de loch tanto é aplicado aos lagos interiores, de água doce, como a extensões de mar terra adentro e, assim, de água salgada, do tipo dos fiordes noruegueses.

rowar10.jpg

A bem da Natureza | Recuperação e regeneração de florestas
A preocupação dos escoceses com a conservação da natureza é uma constante ao longo do caminho. Neste local, painéis informativos dão nota do trabalho realizado para dotar Rowardennan das melhores condições para a vida selvagem e para os seus visitantes. Exemplo disso mesmo é o restauro das florestas de carvalhos nativos, não apenas pela sua beleza, mas também por serem habitat vital para cerca de 300 espécies selvagens.

rowar9.jpg

De facto, nunca a necessidade de preservar a Natureza esteve tão em foco como agora, tendo em conta a frequência exagerada de fenómenos climatéricos fora de época e de contexto, sinais evidentes de que o Homem estará, porventura, a passar dos limites no que à sua relação com o meio diz respeito. Linhas vermelhas são ultrapassadas todos os dias e isso é preocupante. É, pois, com satisfação, e com uma pontinha de esperança, que olho para todos os projetos, cuja finalidade é contrariar a degradação do nosso planeta. E ao percorrer o WHW, deparamo-nos com alguns projetos de recuperação de florestas, enquanto património natural fundamental para o equilíbrio de ecossistemas e da biodiversidade. Curiosamente, há, ali, o cuidado de, a par e passo, informar sobre tudo o que está a ser feito, por quem e com que objetivo. Acredito que desta forma se fomenta o interesse das pessoas, envolvendo-as e levando-as a respeitar e a preservar o trabalho feito ou em curso. 

rowar6.jpg

rowar7.jpg

Um pouco à frente, a Craigrostan Woods, cujos carvalhos do Atlântico em tempos cobriram as encostas das margens do loch, é disso exemplo. Dessa antiga floresta, sobreviveram apenas alguns carvalhos nativos, devido ao terreno inclinado e pedregoso. Agora, há que preservá-los!  Hoje, é difícil imaginar, mas esta tranquila floresta foi, em tempos, um lugar industrial. Todas as primaveras, a área enchia-se de mulheres e crianças a podar e a descascar troncos, os quais continham ácidos que, destilados, eram usados como fixadores de  corantes nas grandes fábricas de têxteis no vale do Leven. Atualmente, estas florestas são valorizadas e geridas como habitat raro para uma variedade rica de vida selvagem. Só como curiosidade, aqui, neste mesmo local, antes do início dos trabalhos, não se conseguia ver o chão debaixo das árvores e todas as espécies nativas estavam completamente tapadas devido à invasão de rododendros. Bonitos, mas extremamente invasores! Quais os trabalhos feitos? Cercas contra veados e cabras selvagens, tratamento dos fetos, escarificação dos terrenos e limpeza intensiva dos rododendros...

rowar5.jpg

rowar8.jpg

É bom saber que há quem trabalhe no sentido de recuperar e preservar a natureza, apesar de, no campo oposto, haver quem se esforce, e muito, para a destruir, no âmbito de uma luta muito desigual. Vamos acreditar que, como na ficção, os bons, no final, acabem por vencer!   

 

13.09.23

West Highland Way: Etyapa 2 | De Drymen a Rowardennan (24 Km)


Emília Matoso Sousa

ppp.jpg

A jornada, hoje, vai ser longa, as previsões de tempo são de algum calor, há que partir cedo. Tomado o full Scottish breakfast, fazemo-nos à estrada. Espera-nos um dos pontos altos, figurada e literalmente, do WHW - a subida do icónico Conic Hill (iconic hill?). Trata-se de uma colina bastante proeminente, com 361 metros de altura, situada na margem este da Highland Boundary Fault (Falha das Highlands), uma caraterística geográfica, na Escócia Central, que faz a separação entre a parte ocidental das Terras Baixas e o Sul das Terras Altas. Entre as duas, as diferenças são grandes, seja ao nível da paisagem, flora e fauna, seja das respetivas heranças culturais. A subida à colina faz parte da secção do caminho entre Drymen e Balmaha, e é uma das caminhadas mais concorridas em terras escocesas, sendo realizada anualmente por cerca de 200 mil pessoas, a partir de Balmaha.

ggg.jpg

Percorremos os 800 metros do desvio feito no dia anterior. Quase na saída da vila, um apontamento curioso: uma honesty box para venda de água com a indicação de que este seria o último ponto de venda até Balmaha.

bbb.jpg

Por caminho rural, seguimos até penetrar na Gerardban Forest, onde cruzamos o Rob Roy’s Way, um dos caminhos aqui existentes. Após uma descida, começamos a ver o Conic Hill. Dá para perceber que vamos ter de subir bastante para lá chegar, mas sabemos que vai valer a pena. Por isso, não optamos pelo caminho alternativo, direto e mais fácil, para Balmaha.

aa42.jpg

aa44.jpg

Com o cone da colina em fundo, enquadrado pela vastidão de uma envolvente plana e verdejante, pontuada por ovelhinhas brancas, e cortada por um traço sinuoso a desenhar o caminho, começamos a deixar-nos levar e a envolvermo-nos na própria paisagem. Chega a ser hipnotizante. Dizer que estes cenários são bonitos começa a ser um lugar comum, mas é a verdade.

ccc.jpg

eee.jpg

aa43.jpg

hhh.jpg

jjj.jpg

O que fica para sempre, o que nos revolve a alma é o que não pode ser capturado pela moldura.", Mia Couto in Pensageiro Frequente

A subida, suave ao início, começa a tornar-se mais íngreme e, à medida que subimos e olhamos em volta, tudo se vai modificando. Um casal de ‘velhotes’ aproxima-se e trocamos algumas palavras. Ficamos a saber que vão ‘apenas’ subir o Conic Hill para fazer um piquenique. Depois, regressam a Balmaha. Valentes! A paisagem vai-nos envolvendo cada vez mais. 360 graus de um panorama de tirar o fôlego. Não somos ‘novatos’ no que ao conhecimento da Escócia diz respeito, mas, viagem após viagem, não paramos de nos surpreender com tanta beleza natural. Queremos levar para casa ‘bocadinhos’ da Escócia, mas não há câmara fotográfica que lhe consiga fazer justiça.

iii.jpg

aa23.jpg

Lá em cima, as vistas para o Loch Lomond e para as suas ilhas e ilhotas são arrebatadoras. É o maior lago de água doce da Grã-Bretanha, com 39 quilómetros de comprimento para um máximo de 8 de largura. Já se falarmos das Ilhas Britânicas, só é superado pelo Lough Neagh, na Irlanda do Norte.

Das alturas do Conic Hill, são visíveis algumas das 60 ilhas que 'crescem' no lago, como as Inchcailloch, Torrinch, Creinch, Inchmurrin, entre outras. Em dias de boa visibilidade, é possível ver a Isle of Arran (já nossa conhecida e a merecer uma visita), também ela situada na Highland Boundary Fault. Para as melhores vistas, ainda há que subir a um patamar mais acima, a poucos metros do topo. Para lá se chegar, há que enfrentar uma pequena subida muito inclinada e com um piso coberto de cascalho e torrões, bastante inseguro (uma espécie de crumble de pedras e pedrinhas, piso mesmo bom para quedas). As vistas são só soberbas! Após alguns momentos de contemplação, há que retomar o caminho, descendo o que antes tínhamos subido. Subir ainda vá que não vá, mas descer é que são elas! A verdade é que todos descem com recurso aos quatro apoios. E não é que os ‘nossos velhotes’ também subiram? Nem queríamos acreditar!

ooo.jpg

aa21.jpg

kkk.jpg

aa45.jpg

aa30.jpg

aa31.jpg

aa48.jpg

Até Balmaha é sempre a descer. E que descida! O piso, não sendo desconfortável, é visualmente muito agressivo, todo em pedras, algumas a configurarem degraus. Os pisos das secções mais percorridas do WHW são alvo de constantes intervenções de manutenção, trabalho muitas vezes feito por voluntários. Ao manter o piso arranjado, evita-se que se caminhe fora do trilho, tornando-o mais confortável e, ao mesmo tempo, preservando ao máximo a envolvente. Na descida para Balmaha são bem visíveis esses melhoramentos.

aa49.jpg

Balmaha é uma pequena vila situada na margem leste do Loch Lomond, a pouca distância de Glasgow (circa 40 Km), o que faz com que seja muito procurada por turistas para atividades de exterior. É daqui que partem muitos dos milhares de pessoas que, anualmente, sobem ao Conic Hill.

uuu.jpg

A Oak Tree Inn é, aqui, paragem obrigatória. Para repor os líquidos e para um breve descanso, pois o que ainda temos pela frente não vai ser nada fácil!
Damos uma volta pela linda baía, enfeitada com os seus fotogénicos barquinhos, e visitamos o parque dedicado à memória de Tom Weir (n. 29 dez 1914 m. 6 jul 2006). Um montanhista, fotógrafo, jornalista, escritor, radialista e ativista ambiental, aqui apresentado como o “Scotland’s most loved mountain man”. Uma estátua e um conjunto de painéis informativos fazem a justa homenagem a este defensor da natureza, cujos escritos influenciaram o governo estadunidense a declarar Yellowstone e Yosemite como parques nacionais, os primeiros desta natureza, ao nível mundial. Não é, pois, de admirar que no seu 86º aniversário, em 2000, Tom Weir tenha sido a primeira pessoa a alguma vez receber o John Muir Trust's Lifetime Achievement Award. Ambos os homens foram excelentes comunicadores e ativistas implacáveis pela conservação da natureza. John Muir morreu em 1914, no dia 24 de dezembro, Tom Weir nasceu cinco dias depois. 

xxx.jpg

vvv.jpg

In every walk with nature one receives far more than he seeks“, John Muir

Um ambientalista do futuro?
John Muir, escocês-americano, foi considerado um dos fundadores do movimento conservacionista moderno, sendo a ‘pedra’ basilar do seu pensamento o princípio de que o homem é parte da natureza, pelo que os seus direitos não poderão ser maiores do que os dos restantes animais. Além de ter influenciado Theodore Roosevelt para a criação dos parques naturais,  foi ainda o fundador de uma das primeiras associações do mundo a ter como objetivo a proteção da natureza, a ONG Sierra Club. “Pai dos parques nacionais do EUA”, “Profeta da vida selvagem” e “Cidadão do Universo” foram alguns dos epítetos que recebeu. Engana-se quem pensa que as preocupações ambientais são questões da atualidade!

Até Rowardennan, ainda teríamos 9 quilómetros. Uma distância tranquila, em circunstâncias normais, até porque íamos ladear as margens do Loch Lomond. De facto, foram quilómetros de paisagens muito bonitas, com praias onde pessoas faziam piqueniques e se divertiam, alternados com desvios para o interior feitos à custa de subidas e descidas pouco ‘simpáticas’. Foi mais duro do que esperávamos, ainda por cima, debaixo de um calor húmido pouco suportável.

aa9.jpg

aa7.jpg

aa38.jpg

aa40.jpg

aa6.jpg

aa39.jpg

aa37.jpg

aa1.jpg

Aqui e ali, junto às margens do loch, viam-se tendas. Pequenas tendas para uma ou duas pessoas, a darem-nos nota de que o final da etapa estava próximo. O campismo selvagem é permitido na Escócia, na condição de se cumprirem algumas regras, desde logo deixar o local tal qual se encontrou. E quem quiser fazer lume, terá de levar a sua própria lenha, pois é proibido cortar galhos das árvores ou usar os chamados troncos ‘mortos’ (dead wood), tão importantes para fornecer alimento e habitat a algumas espécies. A escassez de alojamento ao longo do WHW faz com que muitos caminhantes tenham de recorrer ao campismo. Pode não ter muitos luxos (ou nenhuns), mas a localização de certos spots é imbatível, essa é que é a verdade.

aa12.jpg

aa11.jpg

aa10.jpg

Há ainda zonas de campismo ‘semi selvagem’, onde apenas são disponibilizados serviços básicos, como o caso do Woodland Camping; e parques de campismo 'normais'. Um bom exemplo é o Sallochy Woodland Camping, situado na margem este do Loch Lomond e com vistas magníficas, não apenas para o loch, mas também para os Arrochar Alps. Com uma praia e uma floresta de carvalhos com mais de 200 anos, esta será, sem dúvida, uma experiência de campismo selvagem num espaço com as infraestruturas básicas: água potável, duches e WC.

aa51.jpg

Chegamos finalmente ao nosso destino, Rowardennan, onde pouco mais há do que o nosso hotel, onde íamos também jantar. A localização do hotel é excelente, mesmo ali ao pé do loch. O jantar escocês, finalizado com a melhor sobremesa do mundo, e uma volta junto até às águas do loch para apreciar o cair do Sol fechou a jornada. E que melhor forma de acabar o dia do que a assistir ao Sol a esconder-se atrás da massa de água do lago? As fotografias apenas dão um 'cheirinho' do espetáculo a que tivemos direito...

aa52.jpg

aa53.jpg

aa14.jpg

aa15.jpg

aa18.jpg

aa16.jpg

05.09.23

West Highland Way: Etapa 1 | De Milngavie a Drymen (19 Km)


Emília Matoso Sousa

“(...) um sonho do que se poderia ver se a janela abrisse, que nunca é o que se vê quando se abre a janela.”, Alberto Caeiro

Mull Guy e Drimmen. É assim que se pronunciam as localidades de partida e de chegada desta etapa e ai de quem ouse fazê-lo de forma diferente. Os escoceses não perdoam, fazendo até questão de não perceber!! Portanto, quem quer garantir que chega a bom porto, tem de treinar a pronúncia. É em Milngavie a partida oficial, junto ao obelisco no centro da localidade. É aí o quilómetro zero, uma vez que o caminho é feito de sul para norte. A vila fica a sensivelmente 10 km do centro de Glasgow, a maior cidade da Escócia, sendo, portanto, um subúrbio e vila dormitório, já que é para aquela cidade que se vai trabalhar e estudar todos os dias. É servida por caminho de ferro, o que permite acesso rápido e fácil a Glasgow, portanto, foi de comboio que chegámos a Milngavie, vindos de Glasgow, onde tínhamos pernoitado, após viagem de autocarro a partir do aeroporto de Edimburgo.

20230607_082614.jpg

Junto ao obelisco há um supermercado, onde se pode comprar o passaporte oficial, bem como alguns mantimentos para o dia ou outra compra de última hora. O caminho leva-nos por zonas quase despovoadas, havendo pouquíssimas lojas ao longo de todo o percurso! Particular atenção para o abastecimento de água! A pouca distância que separa esta pequena vila da maior cidade escocesa faria supor uma vila confusa e repleta de edifícios próprios de subúrbio. Nada mais errado. Trata-se de uma vila pacata e cheia de charme, de ambiente rural, rodeada de belíssimas zonas verdes, onde nos cruzamos com os locais a passearem os seus cães ou a fazerem o seu jogging ou caminhada matinal. Também nos cruzamos com muitas crianças a brincarem ou, surpreendentemente, a irem para a escola… sozinhas! Crianças de escola primária.

etapa1_1.jpg

Está na hora de começar. São 9h30, o tempo está bom, não há sinais de chuva, o céu está ligeiramente nublado. Ótimo para caminhar. Saímos pelo caminho Local Clyde Coastal Path que passa nos limites do Mugdock Country Park, uma zona verde espetacular com cerca de 16 quilómetros de extensão, cobrindo uma área de 260 hectares. Que local extraordinário para descontrair e apaziguar os nossos espíritos ainda um pouco ‘alvoroçados’ pelo entusiasmo do arranque para esta grande aventura. Foram vários meses de preparação, é natural que haja algum 'nervoso miudinho'.

A arte no caminho.
É comum, nestes grandes trilhos, encontrar elementos simbólicos, sejam homenagens, mensagens, ou apontamentos de arte. Logo no início, encontramos dois projetos artísticos escultóricos: Home, de Alex Allan, e Scholars Rocks, de Rachel Mimiec, ambos de 2019. O primeiro, um conjunto de pequenas casas, inspiradas nas antigas cottages vernaculares de Milngavie, que em tempos terão sido habitações ou locais de trabalho. Algumas até ostentam o nome do trabalhador e respetiva indústria. Já as peças de Rachel Mimiec são inspiradas em artefactos cerâmicos da zona. Ambos os trabalhos funcionam como indicadores do caminho.

etapa1-3.jpg

etapa 1-2.jpg

À nossa volta tudo é verde e tranquilo. Vamos passando por pequenos lagos e cursos de água e vamos apreciando a rica variedade de árvores, arbustos e flores. Os rododendros, infelizmente uma planta muito invasora, enchem-nos a vista de cor. Chegamos à Carbeth Hutters Comunity,  que configura uma iniciativa muito curiosa com origem já no século XX, nas primeiras décadas. Desde logo, porque surgiu da boa vontade do proprietário daquelas terras, Allen Barnes-Graham, ao permitir que os ciclistas do Clarion ali acampassem e fizessem o seu encontro anual. Os campistas acabaram por construir uma estrutura permanente de madeira para entretenimento e para guardarem as tendas. Chegaram a estabelecer-se lá 40 acampamentos, entre sufragistas, grupos religiosos e outras organizações. Foi ali que muitos jovens, que mais tarde se notabilizariam no mundo da política, da educação, ou da escalada, encontraram inspiração. Foi também naquele chão que nasceram clubes de montanhismo famosos, como o Creagh Dhu, Lomond, e Ptarmingan, e que foram lançadas as sementes para os parques nacionais na Escócia, ou que se prepararam homens para irem para Espanha combater o fascismo no final dos anos 30. Em 1918, depois da 1ª Grande Guerra Mundial, foi permitido que as pessoas de Glasgow e do Clydebank ali construíssem cabanas, para poderem escapar à poluição do vale do Clyde. Em 1941, mais cabanas foram construídas para realojar famílias, no seguimento do Clyde Blitz (raides aéreos conduzidos pela Lufftwaffe no Clydebank). Na década de 1950, Carbeth viveu o seu primeiro auge, com 250 cabanas, um salão de chá, lojas, etc. A propriedade foi comprada em 2013 pela comunidade e conta atualmente com 177 cabanas. Os visitantes são bem-vindos. São estas curiosidades que vão tecendo o caminho e fazendo dele algo mais do que uma sucessão de paisagens bonitas.

etapa1-6.jpg

etapa1-5.jpg

Vamo-nos cruzando com outros caminhantes, nem todos a fazer o WHW, pois há muitos percursos pedestres na Escócia. Um pequeno conjunto de carros estacionados no meio de nenhures é sinal de que dali parte um qualquer trilho. Num país predominantemente verde e com tantas paisagens idílicas, é compreensível que tantas pessoas se entreguem a atividades de ar livre. O John Muir Way é um desses caminhos que se cruzam com o nosso.

etapa1-7.jpg

etapa1-8.jpg

etapa1-9.jpg

001.jpg

002.jpg

Vislumbramos, ao longe, uma destilaria. A chaminé, a fazer lembrar um pequeno pagode, não deixa margem para dúvidas. Glengoyne. Highland Single Malt Scotch Whisky. Whisky, água da vida para os escoceses. Também faz parte do caminho, pois então, misturando-se o edifício com a paisagem e fazendo pendant com a colina que lhe dá o nome, Dumgoyne, em pano de fundo. Fazemos um pequeno desvio e vamos visitá-la. Aproveitamos para reabastecer os cantis, ir ao WC, trincar um snack e descansar um pouquito. Ah, e para um breve convívio com outros caminhantes. Algumas caras já começam a ser familiares. Iremos todos juntos até ao final? Ainda é cedo para saber.

etapa1-10.jpg

Pouca terra, pouca terra…
Seguimos viagem e, um pouco mais à frente, o Beech Tree Café promete comidinhas e bebidinhas reconfortantes. Uma estátua homenageia Ecky Johnstone, que percorreu o WHW 12 vezes. É obra! Um simpático caminhante fez questão de nos tirar uma foto.

000.jpg

etapa1-11.jpg

Estamos, segundo um painel informativo, sobre um terreno onde, em tempos, houve uma linha férrea, que levava as pessoas para trabalhar em Glasgow, mas que demorava “anos” a lá chegar. É também ali que estão enterradas as tubagens que, diariamente, levam 18 milhões de baldes de água do Loch Lomond, ali muito perto, para abastecimento da Escócia Central.

Pouco depois, deparamo-nos com uma honesty box, algo que ainda é possível encontrar nas zonas rurais e pouco populosas da Escócia. Assentam nos princípios da confiança e honestidade, disponibilizando variadíssimos produtos, ficando o pagamento e respetivo troco a cargo do ‘cliente’, sem qualquer controlo. Esta estava instalada numa antiga cabina telefónica e continha snacks e bebidas. Aparentemente, ninguém rouba e ninguém deixa de pagar. É impressionante! Encontrámos várias durante o caminho.

etapa1-12.jpg

etapa1-13.jpg

Estamos em plena zona rural, um letreiro pede aos donos de cães que os passeiem pela trela, pois podem aparecer galinhas. Quem diria que estamos tão perto de Glasgow? A estrada é ladeada por dois ‘muros’ de flores silvestres. Parecem jardins. Tudo porque os municípios são incentivados a manter ao máximo a vegetação autóctone como forma de garantir refúgio e alimento a abelhas e outros polinizadores. A Humanidade agradece!

etapa1-17.jpg

etapa1-18.jpg

etapa1-15.jpg

Bem-vindos a Drymen (pronunciado Drimmen).
Os escoceses são amigos do ambiente, em particular nas zonas rurais e mais remotas (sítios a que eu, carinhosamente, chamo ‘berças’), e gostam de manter as suas vilas impecáveis. E não são de cruzar os braços, à espera que alguém resolva os seus problemas. Por isso, se o dono de um cão não teve cuidado, o devido ralhete não se faz esperar… e não é feito com falinhas mansas.

etapa1-19.jpg

004.jpg

A primeira etapa está a chegar ao fim, fazemos um desvio de 800 metros, e chegamos a Drymen que, segundo um cartaz no centro da vila, se pronuncia Drimmen. Amigos, amigos, pronúncias à parte, que eles não gostam de confusões. Drymen é uma vila pacata, mas muito procurada, pois é a porta de entrada para o East Loch Lomond (ai, o Loch Lomond). Já no final do século XVIII era um importante ponto de paragem para os almocreves das Terras Altas. Atualmente, é um centro turístico (embora não pareça), frequentado por quem procura atividades ligadas ao loch, mas também aos diferentes caminhos que ali se cruzam. O WHW, que contorna a vila, o Rob Roy Way, que parte dali e vai até Pitlochry, e o John Muir Trail ou a National Road 7, que por ali passam.

Feito o check in no hotel e tomado o reconfortante duche, lá fomos ter com o jantar, cautelosamente reservado algumas semanas antes, na Clachan Inn, cuja antiguidade remonta a 1734. Sem reserva, teríamos ficado sem jantar, tendo em conta a enchente de pessoas…

etapa1-20.jpg

etapa 1-25.jpg

etapa 1-23.jpg

etapa 1-24.jpg

Nota breve: Nestas zonas da Escócia, convém acautelar as refeições antecipadamente, pois a oferta é escassa e as alternativas aos poucos restaurantes são quase inexistentes.

A estalagem tem dois espaços distintos, pub e restaurante. O pub fervilha de gente, a maioria, locais. Todos falam com todos. É uma animação. O jantar, de ementa tipicamente escocesa, com destaque para os famosos haggis, não estava nada mau.

Primeira etapa, done! Temperatura agradável durante todo o dia, ausência de chuva, piso confortável e sem subidas ou descidas dignas desses nomes. Paisagens bonitas, desde o primeiro quilómetro e a superar bastante as expectativas que tínhamos relativamente a esta específica etapa. Consideremo-la uma espécie de aquecimento para o que se seguirá.

Profissionais da caminhada…
Guardo algumas notas finais para falar das pessoas, parte muito importante de qualquer caminhada de longo curso. Não há multidões, mas cruzamo-nos constantemente com outros caminhantes. Pessoas de todas as idades e a dar sinais evidentes de que são habitués da caminhada. Verdadeiros profissionais do exercício! Maioritariamente ingleses e escoceses, mas também alguns americanos, franceses, australianos, brasileiros, espanhóis… uma família de portugueses. Pessoas sozinhas, pais com filhos, mães com filhas, famílias inteiras, pessoas com cães. Raros ciclistas. Crianças, zero.

etapa 1-26.jpg

Hello, Portugal!
Do conjunto de emblemas cosidos nas nossas mochilas que, por sinal, fizeram o maior sucesso, houve um que denunciou a nossa nacionalidade: a nossa bandeira. Pretexto para irmos trocando algumas palavras sobre o nosso país, que poucos tinham visitado e que adorariam visitar. De repente, há todo um sentimento de orgulho que toma conta de nós cada vez que dizemos “We are from Portugal”. A palavra Portugal abriu-nos, de facto, as portas da hospitalidade e da simpatia junto de todos aqueles com quem interagimos. O mais exuberante de todos era um senhor escocês, super divertido e bem humorado, cujo nome, mais tarde, soubemos ser Graig, que nos cumprimentava com um sonoro “Hello, Portugal!”, sempre que nos encontrava. Acompanhado pelo filho, esta era a segunda vez que se fazia ao  caminho, depois de uma primeira tentativa fracassada em 2022. Pelo que nos contou, faltaram-lhe as pernas ao fim de três etapas.