West Highland Way: Das Terras Baixas à Terras Altas da Escócia
“Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar intimamente algumas pequenas loucuras”, Marcel Proust in Em Busca do tempo Perdido
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Escócia. 96 milhas. 154 quilómetros.
O West Highland Way (WHW) é um trilho pedestre de longa distância, linear, que parte de Milngavie, nos arredores de Glasgow, a maior cidade escocesa, e termina em Fort William, no sopé da montanha mais alta do Reino Unido, o Ben Nevis (1345 metros de altitude). É também nas margens do maior lago de água doce da Grã Bretanha, o Loch Lomond, que se desenvolve grande parte do caminho. Vai das Terras Baixas (Lowlands), passando pela Highland Boundary Fault (Grande Falha das Terras Altas), até às famosas Scottish Highlands, deslumbrando-nos, ao longo dos 154 quilómetros, com uma variedade de paisagens maravilhosas. Apesar de ter sido idealizado muitos anos antes, só em 1980 foi concluído, sendo a primeira rota de longa distância oficial na Escócia e, atualmente, um dos grandes trilhos no país. Foi concebido para ser percorrido a pé, pelo que algumas das suas secções, pela grande quantidade de obstáculos, não são adequadas para ciclistas nem cavaleiros.
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Grande parte do trilho segue por caminhos antigos e estradas históricas, fazendo uso de:
- Estradas de almocreves, ao longo das quais os highlanders transportavam o seu gado e os seus rebanhos para os mercados das lowlands;
- Estradas militares construídas por tropas, para ajudar a controlar o clã dos jacobitas; (Nota: O jacobitismo foi um movimento político dos séculos XVII e XVIII, na Grã-Bretanha, que pretendia restaurar o reinado da Casa de Stuart na Inglaterra e Escócia. O nome deriva de Iacubus ou Jacubus, versões latinas do nome do rei James II);
- Velhas estradas e linhas férreas desativadas.
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O caminho é percorrido, geralmente, em sete ou oito dias (ou até mais), havendo quem o faça em cinco ou seis. Há, até, quem o percorra em menos tempo, fixando-se o recorde em 13h 41m 8s, conseguido em 2017, por Rob Sinclair. O recorde feminino pertence a Lucy Colquhoun of Aviemore e fixa-se em 17h 16m 20s. Cada um corre atrás dos seus objetivos, sejam eles quais forem, e à velocidade que entender, mas a beleza do caminho merece, sem dúvida, ser apreciada com calma, pelo que a maior parte dos caminhantes não se preocupa com recordes. É um dos trilhos pedestres mais míticos da Europa, sendo percorrido por pedestrianistas de inúmeras nacionalidades.
Alguns números.
- Extensão do caminho - 154 Km
- Ganho de elevação (positivo/negativo) - 3155 m
- Ponto mais alto - 550 m (Devil’s Staircase, perto de Kinlochleven)
- Ponto mais baixo - nível do mar
- Grau de dificuldade - moderado
- Nº de pessoas que percorrem partes do WHW/ano - circa 100 mil
- Nº de pessoas que percorrem o WHW completo/ano - circa 36 mil
- Início da construção do caminho - 1974
- Abertura do caminho - 6 outubro 1980
Tudo começou em 2014.
Fomos pela primeira vez à Escócia em 2014. A viagem já povoava o meu imaginário há muito tempo, mas acabou por demorar um pouco a concretizar-se. O objetivo, desde sempre, foram as Terras Altas - The Highlands - algo que, há alguns anos, não era de fácil planeamento. Quando, finalmente, aconteceu, foi da melhor forma possível. Sob a orientação de uns amigos, profundos conhecedores do país, onde se movem como peixes na água, ao ponto de o considerarem a sua segunda casa. A parte boa é que nos ‘apresentaram’ uma seleção daquilo que a Escócia tem de melhor (ou tinha, pois o turismo massificado está a causar algumas transformações não muito positivas); a outra parte (não sei se boa ou menos boa) é que nos passaram o ‘bichinho’ e… apaixonados à primeira vista, quisemos voltar, e voltar, e voltar… A Escócia tem, de facto, qualquer coisa que encanta e vicia. Mas isso… são outras histórias. Obrigada, E e C!
Pois bem, foi durante esta primeira viagem que, ainda que en passant, conhecemos o West Highland Way, mencionado no nosso guião de viagem como algo que o nosso amigo gostaria de fazer um dia. “Se olharem à vossa direita…”. Isto, na chegada às Terras Altas, sensivelmente na zona de Tyndrum. Na altura não me suscitou particular apelo; apenas achei o local e respetiva envolvente muito bonitos.
Quase uma década depois, e após várias viagens às escocesas terras (mainland e ilhas), eis que o apelo falou alto e lá fomos nós, desta vez, a pé. O apelo, e a confiança conferida por uma peregrinação a Santiago de Compostela e várias centenas de quilómetros de percursos pedestres por caminhos de Portugal.
Algumas notas:
- Optámos por fazer em 8 etapas para usufruir ao máximo da beleza das paisagens que sabíamos que íamos encontrar;
- Fizémo-lo de sul para norte, que é a direção habitual;
- Começámos a preparar a parte logística da viagem com cerca de 8 meses de antecedência, devido à escassez de oferta de alojamento e restauração nas localidades envolvidas;
- Existe um passaporte oficial que deverá ser carimbado diariamente, e que é vendido no supermercado em Milngavie;
- Existem empresas que transportam as bagagens de quem não quer andar com mochila às costas.
Querer muito, desejar, sonhar!
Mudem-me os deuses os sonhos, mas não o dom de sonhar”, Fernando Pessoa in Livro do Desassossego
Li, algures, que o sonho é o início de qualquer conquista. Acredito que sim, mesmo não sendo particular apreciadora de ‘tiradas’ inspiracionais. A verdade é que, de acordo com o poeta (António Gedeão), “sempre que o homem sonha, o mundo pula e avança”... E quando essa capacidade de sonhar se junta ao nosso desejo de realização pessoal, então nada nos pode parar. Caminhar 154 quilómetros num país estrangeiro, com uma mochila de cerca de10 Kg às costas parece difícil? Parece e é. Corremos o risco de calcorrear grande parte desses quilómetros debaixo de chuva e ao frio? Corremos. Estávamos psicologicamente preparados para desistir a meio, caso não fossemos capazes? Estávamos. Afinal, há muitas pessoas que não conseguem chegar ao fim. Mas ir atrás de um sonho é, de certa forma, conferir um propósito à nossa existência. E quando fazemos algo com um propósito, o risco de falhar é quase nulo, quer se chegue à meta, quer não. Perder ou desistir não é próprio dos fracos, mas sim daqueles que nunca fazem, ou não tentam fazer. A verdade é que sem um pouco de loucura a vida seria uma monotonia… Portanto, West Highland Way, aí vamos nós!