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Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

25.07.23

PR2 SPS Rota das Bétulas | Fraguinha


Emília Matoso Sousa
6 maio 2023 
 
O percurso | 9,45 Km (fizemos 11,9) | 463 m ganho elevação
Localidade | Freguesia de Candal (Retiro da Fraguinha), concelho de São pedro do Sul, Viseu.

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Uma árvore muito generosa.
O percurso de hoje presta homenagem à bétula, ou vidoeiro, como também é conhecida, uma árvore da família Fagaceae, a que também pertencem, entre outras variedades, o amieiro e a aveleira. Faz parte do grupo das árvores mais bonitas da floresta portuguesa e é comum encontrá-la nas terras altas do Norte e Centro, preferencialmente próximo dos cursos de água. É uma árvore de porte médio que pode alcançar entre 10 e 15 metros de altura, raramente chegando aos 20. Como curiosidade histórica, a bétula terá surgido há mais de 30 milhões de anos e hibernado nas longas glaciações que nos antecederam. A sua folha é caduca e o seu tronco é inconfundível, por ser direito, branco prateado, não muito grosso, de casca lisa, sendo a sua copa cónico-piramidal. Gosta de muita luz e é uma árvore bastante rústica, adaptando-se bem à altitude, resistindo ao frio intenso, aos ventos fortes e às geadas. Só não aprecia os ares marítimos... É considerada muito "generosa" e ecologicamente muito importante. Melhora as condições do solo, dá sombra necessária a outras espécies, fornece alimento e habitat a centenas de espécies de insetos, aves e até a alguns mamíferos, como cervos,  corços, coelhos, lebres, etc. Produz, ainda, substâncias com propriedades medicinais. Por tudo isto, e muito mais, foi muito cultivada pelos serviços florestais nas montanhas portuguesas. 
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E é junto a um bosquete de bétulas que o nosso percurso de hoje começa, em frente ao Parque de Campismo da Fraguinha. Uma "espécie de oásis" na serra, como nos é apresentado, este parque é um autêntico retiro para quem aprecia a comunhão com a natureza, um lugar "bucólico e tranquilo" ali mesmo entre as serras da Freita e da Arada. Nada menos do que duas das mais bonitas serras portuguesas. Juro que apetece ficar ali, naquele sítio de localização tão privilegiada.

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Hoje vamos subir até ao topo da Arada, uma das serras que fazem parte do Maciço da Gralheira, complexo montanhoso que, nesta zona, é fronteira entre as beiras Alta e Litoral. Trilho recomendável para quem gosta de montanha (eu!!!).  
Avançamos, subindo, e vamos apreciando a paisagem, olhando frequentemente para trás, para não perder as vistas. Chegamos ao Parque Eólico de Candal, soberbamente situado num espaço de grande beleza, bem no topo do maciço. Que desperdício! Digo eu que, confesso, não amo eólicas, embora reconheça a sua importância para a geração de energias menos poluentes. Mas que são assustadoras e sinistras, lá isso são. E, ao perto, até produzem uns barulhos meio fantasmagóricos.  

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A paragem seguinte é no miradouro para os vales da Ribeira Escura e da ribeira de Paivó. A vista é um autêntico postal ilustrado! Paragem mais prolongada, obrigatória! Apenas para ficar ali a usufruir. A serrania mostra-se em toda a sua magnitude. O mato rasteiro dá às montanhas uma aparência nua, mostrando-nos todos os seus contornos, bem como a forma como se deixam entrecortar por vales profundos. É ali que, num sítio voltado a norte e encaixado na serrania, quase sem exposição solar, num local escuro e de grande humidade... nasce a ribeira Escura. A natureza é, de facto, extraordinária! Um casal de pedestrianistas aproxima-se. Tinham feito quase 300 quilómetros, de carro, só para irem percorrer aquele trilho. Estava a ser "espetacular", dizem-nos. Espetacular, incrível... cénico, acrescentamos nós, apercebendo-nos de que as palavras nunca conseguirão descrever o cenário que temos pela frente. O ZM opta pelas palavras mais simples. "Isto é muito bonito!" é o que ele exclama quando não encontra palavras para mais. 

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Ora, diz-nos a experiência que, depois de uma subida onde temos direito a imagens premium, segue-se uma descida. E a que se seguiu foi longa, sinuosa, declivosa, pedregosa... Mais uma daquelas que nos deixam perplexos e a pensar quem terão sido os obreiros de tal caminho. Porque aquilo era um caminho! Inacreditavelmente, os pedregulhos que compõem o piso foram lá colocados por mãos humanas. 

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No fim da descida, espera-nos Candal e, pouco depois, Póvoa das Leiras, duas aldeias serranas que são mais dois exemplos de povoações implantadas de tal modo nas encostas da montanha que parece que nasceram ali por geração espontânea. Os seus terrenos agrícolas em socalco são paisagem humana, mas de uma beleza inquestionável. Mais uma lição sobre como é possível interagir com a paisagem natural, acrescentando-lhe valor e não o contrário. Cada vez mais sou tentada a acreditar que, no que a este tema diz respeito, os nossos antepassados nos deixaram um legado que nem sempre soubemos aproveitar. Póvoa das Leiras tem umas ruelas incrivelmente inclinadas que, naturalmente, tivemos de subir e que, também naturalmente, fizeram desfilar pela minha mente algumas expressões 'ditas' vernaculares. Vernacular também é a arquitetura destas localidades, em que as marcas de ruralidade são evidentes. Não nos cruzámos com gado arouquês, mas ouvimo-lo.
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Sobre o gado Arouquês.
Trata-se de uma raça bovina autóctone portuguesa, cujo nome remete para a região de Arouca. Há, atualmente, duas variedades desta raça na região: os Arouqueses Paivotos e a raça Arouquesa de São Pedro do Sul, que é onde nos encontramos. Existia uma terceira - Arouquesa Caramuleira- mas já se extinguiu. É uma raça com caraterísticas muito especiais, sendo a mais extraordinária a sua capacidade de caminhar nas vertentes montanhosas íngremes e pedregosas, como se de cabras leves e ligeiras se tratasse. Gastronomicamente falando, a avaliação da qualidade da sua carne ficará ao critério de cada um. 

Uma floresta que é uma relíquia.
É constituída por carvalhos, mas também por outras espécies arbóreas, a mancha florestal situada entre as duas aldeias. Verde na primavera/verão, amarelada no outono, e despida no inverno, esta floresta acompanha aqui a ribeira de Paivó no seu percurso para o rio Paiva. A ribeira separa as duas aldeias e já, já, iremos atravessá-la num recanto, por sinal, bastante idílico.

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Saímos de Póvoa de Leiras e iniciamos o regresso à Fraguinha, acompanhando sempre a longa levada que, desde há séculos, leva água a estas povoações. Trata-se de um trajeto muito bonito, já que caminhamos rodeados de carqueja, urze e outras espécies arbustivas típicas da serra. A paisagem circundante é magnífica.

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A chegada faz-se pela Lagoa da Fraguinha, onde somos recebidos por uma orquestra sinfónica de rãs... a coaxar. Um autêntico espetáculo.

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Desta vez, entrámos no parque de campismo para apreciar de perto umas vaquinhas arouquesas que por ali andavam, provavelmente a limpar o terreno de ervas desnecessárias. 

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Este foi mais um trilho de nota máxima, pela quantidade de lugares maravilhosos que nos revelou. Os concelhos de São Pedro do Sul e Arouca são, de facto, donos de um território natural abençoado sabe-se lá por que divindade. Cursos de água, poços, lagoas e cascatas, montanhas mágicas, aldeias típicas, bosques encantados, florestas autóctones, campos trabalhados em socalco, entre outras coisas, são argumentos mais do que suficientes para nos fazer voltar. Até porque acreditamos que ainda ficou muito por ver. 
O miminho gastronómico, desta vez foi nas Termas de São Pedro do Sul, ali mesmo au bord du Vouga, que naquele sítio faz maravilhas com o seu leito espelhado.

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