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Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

04.07.23

PR8 Rota da Laranja | Valadares (São Pedro do Sul)


Emília Matoso Sousa
Data | 18 de maio 2023
 
O percurso | 22,21 Km | 867 m ganho elevação | Moderado / Difícil 
Localidade | Valadares, freguesia de S. Pedro do Sul, distrito de Viseu
Pontos de interesse | Albufeira de Ribeiradio; Cascata do Pinho; Poço Negro; Mosteiro de São Cristóvão de Lafões; Levada de Paradela; Poldras do rio Almoinhas; Rios Vouga e Varoso

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Com a Serra da Gravia quase sempre no nosso horizonte visual, é nas suas encostas, na margem direita do rio Vouga, que vamos caminhar, passando pelas povoações de Covelo, Pedreira, Granja e Paradela.

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O ponto de referência para a partida é um laranjal no centro de Valadares. Esta é uma zona de boa laranja com direito a Feira bianual e tudo, daí o nome da rota. O 'laranjal' é que era constituído por apenas meia dúzia de laranjeiras. Regulemo-nos, pois, pela igreja matriz, ali mesmo à vista.

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Avançamos por caminhos rurais e florestais e vamos passando por pequenos aglomerados habitacionais e quintas, e vamos apreciando as vistas amplas para as povoações na outra margem do Vouga. 
No Gamoal, uma placa sugere-nos um desvio à capela de N. Sra. de Fátima. O  desvio é bastante íngreme, e a capela, visível do plano em que nos encontramos, é um pequeno e simples edifício branco, que não nos parece merecer o esforço da subida. Mais à frente, já na estrada, novo 'convite' para visitar a capela, desta vez acompanhado de imagens da Senhora e dos pastorinhos. Percebe-se que aquele é um ponto de passagem quase obrigatório no roteiro turístico da zona. Ficamos também a saber que a capelinha foi mandada edificar em 1976, por um jovem devoto, José Rodrigues de Oliveira, habitante do Gamoal. Ao longo dos anos, outros apontamentos alusivos à Cova de Iria foram sendo acrescentados ao local, tal a devoção do seu criador. As visitas terão de ser autorizadas pelo proprietário. Acredito que, para os devotos, este será um local de culto de particular religiosidade, resultante da comunhão com a natureza e da beleza da paisagem envolvente.

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Seguimos viagem e, nos Laijais, chegamos à EN333-3, que atravessamos, iniciando a descida para o Pinho. Ao chegar a uma bifurcação, decidimos fazer um desvio para ir ver a Cascata do Pinho. Vamos ter de descer bastante e depois subir. Uma habitante local, que por ali passava no caminho para uma casa que ali possui, acompanha-nos e vai-nos contando que naquelas aldeias já houve tempos de maior agitação. Já houve crianças, já houve escolas, já houve mais vida. Conta-nos também que há estrangeiros a comprar ali casas e a habitá-las. São ingleses, são alemães... Privilegiam o contacto com a natureza e vêm em busca de locais sossegados, mas próximos da civilização. São simpáticos, dizem os locais. 

20230518_105454.jpg20230518_110350.jpg20230518_111845.jpg20230518_112819.jpgA cascata é muito bonita e fica localizada num recanto idílico, despenhando-se sobre o espelho da Albufeira de Ribeiradio e rodeada de uma magnífica mancha de vegetação. Segundo a nossa 'guia', a queda já foi mais espetacular e mais alta. Mas isso foi antes da albufeira. Ainda assim, continua altaneira e valeu o esforço do desvio. 

20230518_110930.jpgRegressámos até à bifurcação, tomando agora a direção do rio Almoinhas, afluente do Vouga, onde, segundo placa informativa, se pratica canyoning ou, em português, canionismo. Uma modalidade que consiste na descida de cursos de água, geralmente em áreas montanhosas, onde ocorrem cascatas e canhões (canyons). É uma modalidade difícil, pela quantidade, variedade e complexidade de obstáculos a ultrapassar e que exigem a combinação de espeleologia e escalada, bem como a utilização de técnicas e materiais específicos. A contrapartida é a descoberta e o acesso a locais fantásticos e a recantos escondidos, de beleza única. Um desporto claramente adequado aos aventureiros que não passam sem uma boa overdose de adrenalina. A nós, menos dados a desportos radicais, resta-nos apreciar as belezas, porventura menos recônditas, mas, ainda assim, surpreendentes. É o caso dos cenários proporcionados pelo rio Almoinhas na zona do Tronco. São de cortar a respiração! O preço a pagar (ah, pois, nada é de borla nesta vida!) é ter de se atravessar as poldras - as Poldras do Tronco - que mais parecem um amontoado caótico de pedregulhos, uns meio submersos, outros cobertos de musgo escorregadio. Primeira reação: "Não vamos conseguir atravessar isto!". Segunda reação: "Voltar para trás, nunca!". Com mil cuidados, e com menos, ou mais, recurso aos quatro apoios, lá atravessámos o rio. Mais uma vitória para o nosso palmarés. E uma verdadeira aventura!

20230518_114317.jpg20230518_114913.jpg20230518_114941.jpg20230518_115132.jpg

Antes ainda de recuperar o fôlego, eis que temos pela frente uma subida bem acentuada por degraus escavados na rocha. Mais uma vez, a consolação é-nos oferecida sob a forma de paisagens soberbas. No fim da subida, chegamos ao Tronco. Por estrada, seguimos até ao Covelo, localidade com uma dimensão razoável e atravessada pelo rio Almoinhas, onde vamos fazer mais um desvio para ver o poço negro.

20230518_120346.jpg20230518_121719.jpg20230518_123817.jpgCascatas, poços negros, lagoas, águas cristalinas... os rios de montanha reservam-nos, de facto, as melhores surpresas. Após uma refrescante pausa junto ao poço, onde apetece mergulhar, dirigimo-nos ao café da localidade para reabastecimento de líquidos. Um estabelecimento simples, mas soberbamente localizado, com vistas magníficas e uma esplanada/terraço que mais parece um miradouro. Cinco estrelas!

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Repostas as energias (desde as poldras que vínhamos a subir), fizemo-nos à estrada. Novamente a subir, claro, que aquelas terras vivem penduradas nas encostas das montanhas. Ia ser a pior parte do trajeto. Uma floresta de eucalipto, uma árvore com que não simpatizo. Estradão de caminho aberto e eucaliptal. Dois indicadores de que ali, em tempos, houve incêndios. Enfim... E para tornar a coisa ainda mais 'agradável', não havia quaisquer sinais indicativos do caminho, apesar das várias bifurcações. Sem meios alternativos de navegação, é difícil chegar a bom porto. 

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Finalmente, deixamos o eucaliptal para trás. Estamos em frente ao ponto mais alto da Serra da Gravia, que tanto influencia aquelas terras, desde logo, protegendo-as dos ventos e fornecendo bons pastos para os animais da região.

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Vamos agora ladear um regadio que, por sinal, não leva água, e rumamos a Boavista, passando pelas localidades de Pedreira e Granja, marcadamente agrícolas. É na Granja que nos espera outra das atrações do percurso, a capela de São Caetano, à qual subimos para apreciar as imperdíveis vistas sobre o vale e para o Mosteiro de São Cristóvão de Lafões. Um mosteiro da Ordem de Cister, edificado no sécul XII, no cimo de um promontório rodeado pelo rio Varoso, e no centro de uma densa e rica mata autóctone. A sua forma atual remonta, no entanto, ao século XVII. Atualmente, está reconvertido em unidade hoteleira.

20230518_151822.jpg20230518_151930.jpg20230518_151952.jpgDirigimo-nos agora, em descida acentuada, para a levada da Paradela. Duas habitantes locais aconselham-nos a não ir, pois não acreditam que consigamos fazer o caminho. Agradecemos a preocupação, mas não podemos voltar atrás. O caminho é, realmente, difícil, apesar de curto. Íngreme, pedregoso, técnico, escorregadio. A exigir concentração máxima.20230518_155524.jpg20230518_155631.jpgA chegada à levada apresenta uma bifurcação. O desvio para a esquerda leva-nos às lagoas do rio Varoso e ao Poço do Mourão. A vegetação ripícola tapa um pouco a vista, mas dá para perceber que é maravilhosa. O som das pequenas cascatas, o chilrear das aves e as múltiplas tonalidades de verde embalam-nos e fazem-nos viajar para outras dimensões. Seria também este o acesso ao mosteiro, que gostaríamos de ter visitado. Porém, por ser propriedade privada, a passagem está interrompida.

20230518_160256.jpg20230518_161156.jpg20230518_161714.jpgVoltamos para trás e seguimos pela direita, na bifurcação, ladeando sempre a levada, caminhando sobre um passadiço de cimento.

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Água leva o regadio...
A Levada de Paradela é um canal através do qual é conduzida a água do rio Varoso até ao regadio de Paradela (para a rega de culturas agrícolas, designadamente o laranjal), situado a três quilómetros de distância. É, sem dúvida, uma obra notável que, com um passadiço pedestre a ladeá-la e envolta por uma densa mancha de vegetação, faz lembrar as famosas levadas madeirenses. Até o bosque ali existente, constituído por sobreiros, medronheiros, aveleiras, folhados e loureiros, entre outras espécies, se assemelha à floresta Laurissilva da nossa pérola do Atlântico. Um troço de rara beleza que dificilmente esqueceremos. Esta é uma zona sombria, muito húmida e repleta de vida. O verde vibrante das folhas enormes das árvores, os arbustos de tamanho XL, os fetos gigantes, as lianas (andará por ali algum Tarzan?)... Tudo parece irreal! 

20230518_173047.jpg20230518_163943.jpg20230518_162029.jpg20230518_164741.jpg20230518_165932.jpg

No final do passadiço, avançamos por um estradão até Paradela, povoação que atravessamos. E é por caminho ora florestal, ora rural que chegamos a Valadares.

Os pontos altos do 'passeio' foram, sem dúvida, a levada de Paradela e o rio Almoinhas com as suas envolventes. A nota menos positiva fica reservada para a mancha excessiva de eucaliptal. Entretanto, e porque os estômagos já reclamavam, era tempo de procurar um local para petiscar. O único café de Valadares estava fechado, pelo que foi já na zona de Oliveira de Frades, em Casal de Sejães, no restaurante Luciana, que fizemos um lanche ajantarado, tendo em conta o adiantado da hora. Um restaurante afamado pelo bacalhau na brasa, especialidade da d. Luciana, com quem combinámos uma futura ida para a devida prova.

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