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Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

25.07.23

PR2 SPS Rota das Bétulas | Fraguinha


Emília Matoso Sousa
6 maio 2023 
 
O percurso | 9,45 Km (fizemos 11,9) | 463 m ganho elevação
Localidade | Freguesia de Candal (Retiro da Fraguinha), concelho de São pedro do Sul, Viseu.

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Uma árvore muito generosa.
O percurso de hoje presta homenagem à bétula, ou vidoeiro, como também é conhecida, uma árvore da família Fagaceae, a que também pertencem, entre outras variedades, o amieiro e a aveleira. Faz parte do grupo das árvores mais bonitas da floresta portuguesa e é comum encontrá-la nas terras altas do Norte e Centro, preferencialmente próximo dos cursos de água. É uma árvore de porte médio que pode alcançar entre 10 e 15 metros de altura, raramente chegando aos 20. Como curiosidade histórica, a bétula terá surgido há mais de 30 milhões de anos e hibernado nas longas glaciações que nos antecederam. A sua folha é caduca e o seu tronco é inconfundível, por ser direito, branco prateado, não muito grosso, de casca lisa, sendo a sua copa cónico-piramidal. Gosta de muita luz e é uma árvore bastante rústica, adaptando-se bem à altitude, resistindo ao frio intenso, aos ventos fortes e às geadas. Só não aprecia os ares marítimos... É considerada muito "generosa" e ecologicamente muito importante. Melhora as condições do solo, dá sombra necessária a outras espécies, fornece alimento e habitat a centenas de espécies de insetos, aves e até a alguns mamíferos, como cervos,  corços, coelhos, lebres, etc. Produz, ainda, substâncias com propriedades medicinais. Por tudo isto, e muito mais, foi muito cultivada pelos serviços florestais nas montanhas portuguesas. 
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E é junto a um bosquete de bétulas que o nosso percurso de hoje começa, em frente ao Parque de Campismo da Fraguinha. Uma "espécie de oásis" na serra, como nos é apresentado, este parque é um autêntico retiro para quem aprecia a comunhão com a natureza, um lugar "bucólico e tranquilo" ali mesmo entre as serras da Freita e da Arada. Nada menos do que duas das mais bonitas serras portuguesas. Juro que apetece ficar ali, naquele sítio de localização tão privilegiada.

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Hoje vamos subir até ao topo da Arada, uma das serras que fazem parte do Maciço da Gralheira, complexo montanhoso que, nesta zona, é fronteira entre as beiras Alta e Litoral. Trilho recomendável para quem gosta de montanha (eu!!!).  
Avançamos, subindo, e vamos apreciando a paisagem, olhando frequentemente para trás, para não perder as vistas. Chegamos ao Parque Eólico de Candal, soberbamente situado num espaço de grande beleza, bem no topo do maciço. Que desperdício! Digo eu que, confesso, não amo eólicas, embora reconheça a sua importância para a geração de energias menos poluentes. Mas que são assustadoras e sinistras, lá isso são. E, ao perto, até produzem uns barulhos meio fantasmagóricos.  

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A paragem seguinte é no miradouro para os vales da Ribeira Escura e da ribeira de Paivó. A vista é um autêntico postal ilustrado! Paragem mais prolongada, obrigatória! Apenas para ficar ali a usufruir. A serrania mostra-se em toda a sua magnitude. O mato rasteiro dá às montanhas uma aparência nua, mostrando-nos todos os seus contornos, bem como a forma como se deixam entrecortar por vales profundos. É ali que, num sítio voltado a norte e encaixado na serrania, quase sem exposição solar, num local escuro e de grande humidade... nasce a ribeira Escura. A natureza é, de facto, extraordinária! Um casal de pedestrianistas aproxima-se. Tinham feito quase 300 quilómetros, de carro, só para irem percorrer aquele trilho. Estava a ser "espetacular", dizem-nos. Espetacular, incrível... cénico, acrescentamos nós, apercebendo-nos de que as palavras nunca conseguirão descrever o cenário que temos pela frente. O ZM opta pelas palavras mais simples. "Isto é muito bonito!" é o que ele exclama quando não encontra palavras para mais. 

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Ora, diz-nos a experiência que, depois de uma subida onde temos direito a imagens premium, segue-se uma descida. E a que se seguiu foi longa, sinuosa, declivosa, pedregosa... Mais uma daquelas que nos deixam perplexos e a pensar quem terão sido os obreiros de tal caminho. Porque aquilo era um caminho! Inacreditavelmente, os pedregulhos que compõem o piso foram lá colocados por mãos humanas. 

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No fim da descida, espera-nos Candal e, pouco depois, Póvoa das Leiras, duas aldeias serranas que são mais dois exemplos de povoações implantadas de tal modo nas encostas da montanha que parece que nasceram ali por geração espontânea. Os seus terrenos agrícolas em socalco são paisagem humana, mas de uma beleza inquestionável. Mais uma lição sobre como é possível interagir com a paisagem natural, acrescentando-lhe valor e não o contrário. Cada vez mais sou tentada a acreditar que, no que a este tema diz respeito, os nossos antepassados nos deixaram um legado que nem sempre soubemos aproveitar. Póvoa das Leiras tem umas ruelas incrivelmente inclinadas que, naturalmente, tivemos de subir e que, também naturalmente, fizeram desfilar pela minha mente algumas expressões 'ditas' vernaculares. Vernacular também é a arquitetura destas localidades, em que as marcas de ruralidade são evidentes. Não nos cruzámos com gado arouquês, mas ouvimo-lo.
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Sobre o gado Arouquês.
Trata-se de uma raça bovina autóctone portuguesa, cujo nome remete para a região de Arouca. Há, atualmente, duas variedades desta raça na região: os Arouqueses Paivotos e a raça Arouquesa de São Pedro do Sul, que é onde nos encontramos. Existia uma terceira - Arouquesa Caramuleira- mas já se extinguiu. É uma raça com caraterísticas muito especiais, sendo a mais extraordinária a sua capacidade de caminhar nas vertentes montanhosas íngremes e pedregosas, como se de cabras leves e ligeiras se tratasse. Gastronomicamente falando, a avaliação da qualidade da sua carne ficará ao critério de cada um. 

Uma floresta que é uma relíquia.
É constituída por carvalhos, mas também por outras espécies arbóreas, a mancha florestal situada entre as duas aldeias. Verde na primavera/verão, amarelada no outono, e despida no inverno, esta floresta acompanha aqui a ribeira de Paivó no seu percurso para o rio Paiva. A ribeira separa as duas aldeias e já, já, iremos atravessá-la num recanto, por sinal, bastante idílico.

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Saímos de Póvoa de Leiras e iniciamos o regresso à Fraguinha, acompanhando sempre a longa levada que, desde há séculos, leva água a estas povoações. Trata-se de um trajeto muito bonito, já que caminhamos rodeados de carqueja, urze e outras espécies arbustivas típicas da serra. A paisagem circundante é magnífica.

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A chegada faz-se pela Lagoa da Fraguinha, onde somos recebidos por uma orquestra sinfónica de rãs... a coaxar. Um autêntico espetáculo.

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Desta vez, entrámos no parque de campismo para apreciar de perto umas vaquinhas arouquesas que por ali andavam, provavelmente a limpar o terreno de ervas desnecessárias. 

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Este foi mais um trilho de nota máxima, pela quantidade de lugares maravilhosos que nos revelou. Os concelhos de São Pedro do Sul e Arouca são, de facto, donos de um território natural abençoado sabe-se lá por que divindade. Cursos de água, poços, lagoas e cascatas, montanhas mágicas, aldeias típicas, bosques encantados, florestas autóctones, campos trabalhados em socalco, entre outras coisas, são argumentos mais do que suficientes para nos fazer voltar. Até porque acreditamos que ainda ficou muito por ver. 
O miminho gastronómico, desta vez foi nas Termas de São Pedro do Sul, ali mesmo au bord du Vouga, que naquele sítio faz maravilhas com o seu leito espelhado.

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10.07.23

PR5 OFR Rota das Poldras | Souto de Lafões


Emília Matoso Sousa
Data | 20 de Maio 2023
 
O percurso | 8,5 Km ( fizemos 14,49) | 475 m ganho elevação | Difícil 
Localidade | Souto de Lafões, localidade pertencente à União de Freguesias de Oliveira de Frades, Souto de Lafões e Sejães, concelho Oliveira de Frades, distrito de Viseu.
Pontos de interesse | Rio Vouga; Cascata do Varoso; Ponte de Cunhedo; Poço da Sertã; Ribeira de Varzielas; Poldras

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Um percurso dedicado a poldras tinha, desde logo, fortes probabilidades de figurar no meu top 10 de melhores trilhos. E não me enganei. Não tanto pelas poldras, mas pelas magníficas envolventes ribeirinhas do rio Vouga e da ribeira de Varzielas. Foi também o mais difícil que fizemos até hoje. Mas valeu cada centímetro das muitas subidas e descidas insanas! 
O início é junto à igreja de S. João Batista, em Souto de Lafões. Por caminhos rurais, vamos saindo do núcleo urbano. As poldras da igreja são as primeiras que temos de atravessar. Poldras dignas de 'catálogo' tal a sua perfeição. Vamos avançando, passando por algumas quintas e casas isoladas com as suas hortas e campos cultivados e pela Fonte dos Frades, que mais parece um tanque público. 

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Segue-se uma zona florestal, onde predominam castanheiros e carvalhos, com um piso particularmente bem forrado de folhas castanhas, o que torna o caminho muito bonito, além de confortável. A certa altura, a vegetação torna-se mais densa e verdejante, devido a uma levada, que vamos acompanhar durante um pequeno trajeto.20230520_095813.jpg20230520_100215.jpg20230520_100304.jpg20230520_105014.jpg

Mais à frente, uma cancela fechada significa que vamos atravessar propriedade privada. Acontece, por vezes. Simpaticamente, os donos informam-nos, através de um letreiro, que os "cães são meigos". E eram. Junto à cancela de saída, lá estavam eles à nossa espera com um ar muito bem-disposto.

20230520_105205.jpgHá ainda um apontamento engraçado nesta primeira parte do caminho. Uma pequena mota abrigada sob o telheiro de uma capelinha no meio de nenhures, com a chave inserida na ignição. E também com um capacete em cima. Seria uma mota comunitária? 

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Chegamos a uma estrada asfaltada, que atravessamos. Um conjunto de carros ali parados anuncia a existência de uma fonte e aproveitamos para recarregar os cantis. E, a partir de agora, termina a boa vida, já que os próximos trajetos vão exigir de nós concentração máxima, destreza física, e até alguma força. Para já, uma placa informativa manda-nos galgar o raile da estrada e 'mergulhar' por entre densa e alta vegetação pela ribanceira abaixo. "Desistir, nunca!" tem sido o nosso lema até agora e, portanto, lá penetramos naquela espécie de mato e "seja o que Deus quiser". Tentando (e conseguindo) não escorregar, chegamos perto do rio Vouga, onde é possível observar a foz do rio Varoso e a sua fantástica cascata. O leito verde escuro do Vouga, que ali corre sereno, faz um contraste bonito com a rocha e com a palete  de verdes da sua frondosa galeria ripícola. Tão frondosa que quase não deixa ver o rio.

20230520_111341.jpg20230520_111901.jpg20230520_112405.jpg20230520_113239.jpgEstamos em terreno pedregoso, irregular, muito inclinado e escorregadio. Continuamos a ladear o rio e a descida está a tornar-se demasiado técnica para o nosso gosto. Qualquer 'desatenção' pode significar uma queda perigosa. Uma escada de madeira ajuda-nos a transpor um declive mais acentuado. Instintivamente, em silêncio, vamos sustendo a respiração como se isso evitasse alguma escorregadela. No total, não percorremos mais do que 400 metros... que parecem quatro mil. Para ajudar à festa, galhos de silvas nascem de todos os lados para se agarrarem às nossas roupas e à nossa pele.  

Finalmente, chegamos à Ponte do Cunhedo,  reencontramdo a estrada que, alguns metros atrás, o atribulado atalho nos fizera abandonar. Uma ponte do século XVI sobre o rio Vouga, cuja construção veio permitir a ligação entre as duas margens, algo que antes era feito um pouco mais adiante, a vau ou sobre umas poldras altas e perigosas. Trata-se de uma ponte em granito com três arcos, bastante interessante, apesar de apresentar marcas de várias obras de recuperação. Naturalmente, há uma lenda associada. Consta que eram os frades do convento de São Cristóvão de Lafões quem mais utilizava as poldras. Ora, para tornar a travessia mais confortável, contruiram uma espécie de ponte de madeira sobre as poldras. Uma ponte frágil, que não resistiu a um temporal de inverno, tendo sido arrastada pelas águas do rio. Precisamente na altura em que por lá passava um frade missionário montado no seu burrito. E não é que ambos se salvaram, para grande espanto dos demais frades do convento (e nosso também)? Como? Não se sabe, pois o frade vinha a dormir e não deu por nada, pelo que o caso foi considerado milagre, atribuído ao mártir São Cristóvão que, em tempos, já demonstrara competências nestes 'terrenos', ao transportar o Menino Jesus nos ombros na passagem de um caudaloso rio. Assunto explicado e encerrado!

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Continuamos a ladear o Vouga, seguindo o Percurso Interpretativo do Cunhedo, que consiste num conjunto de painéis com informação relativa à fauna e flora da zona. Chegamos ao Porto de Areias, onde ainda são visíveis as poldras que, noutros tempos, eram usadas para chegar à povoação de Covelas. Foi aqui que encontrámos um pescador desportivo que nos queria presentear com uns belos barbos acabadinhos de pescar. Não tínhamos como levá-los, não pudemos aceitar.

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Foi também aqui que, devido a uma conjugação de 'falhas', tomámos um rumo errado, o que nos valeu um desvio de cerca de dois quilómetros. Ou seja, a placa indicativa da direção a seguir está colocada num desvio que não se apresenta pela nossa frente, exigindo que nos voltemos para trás para a descobrirmos; além disso, o desvio onde a placa se encontra estava quase tomado por vegetação; por último, seguimos a regra de que na ausência de placa, o caminho é em frente. Para quem é da zona, meia sinalização basta, para quem não é, as placas nunca são de mais. 

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Se esta ribeira falasse...
Íamos agora percorrer o vale da ribeira de Varzielas, onde iríamos poder ver o Poço da Sertã,  cascatas, poldras... tudo isto abrigado pela mais luxuriante vegetação. Na verdade, uma sucessão de recantos mágicos, cada um mais encantador do que o outro. De tão bonito, quase não dá para acreditar no que os nossos olhos veem. É como se de repente, qual Alice, tivessemos entrado no País das Maravilhas, onde não nos admiraríamos se encontrassemos algumas das estranhas criaturas de Carroll.

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É, provavelmente, o sítio mais bonito que nos foi proporcionado pelos percursos pedestres que temos feito. Em compensação, é o que apresenta o maior grau de dificuldade. A Lei das Compensações é terrível... O Poço da Sertã é incrível e a cascata é linda! De tal forma que até tem direito a um miradouro de madeira de onde se pode contemplar confortavelmente e em segurança.

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É esta a zona mais complexa do trilho, com declives muito acentuados e com muitas rochas e pedregulhos que temos de trepar. Felizmente, nos pontos mais problemáticos há cordas para nos içarmos, cabos para nos agarrarmos e até escadas de madeira. Menos mal. Quando pensamos que o 'pior' já passou e que já não há mais obstáculos, eis que se seguem mais dois ou três... É de cortar a respiração. Pelo esforço físico necessário e pela beleza de tudo o que nos rodeia. A sucessão de cascatinhas, de pequenas lagoas, o barulho das águas da ribeira a despenhar-se nas rochas, o ambiente sombrio e misterioso proporcionado pela folhagem larga das árvores frondosas, os fetos variados e gigantes... Maravilhoso! Até nos esquecemos de que pela frente temos ainda muito que trepar.

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Ruínas de vários moinhos são sinais da vida que por ali já existiu. E que vida! Quantos homens e mulheres terão percorrido aquele 'caminho' na sua labuta diária? Quantas sacas de farinha terão levado daqueles moinhos para fazer o pão, base da sua alimentação? Quanto tempo levariam a percorrer aquele caminho que, para nós, é tão difícil? Como seria percorrê-lo no inverno? Se aquela ribeira falasse, que histórias teria para nos contar? Como seria a vida daquelas pessoas? É difícil imaginar, sobretudo se o tentarmos fazer à luz dos padrões atuais, que temos como adquiridos e dos quais tantas vezes nos queixamos... Tudo é relativo nesta vida, essa é que é a verdade.

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Chegados ao topo, ao mundo normal, quase não acreditamos naquilo que deixamos para trás, como que escondido. Um lugar secreto, um autêntico Reino de Nárnia.  
Ainda faltavam as poldras do 'Coixo', designação popular para a ribeira de Varzielas. Umas 'senhoras' poldras, constituídas por enormes e desordenadas pedras, repleta de vegetação. Tábuas e cabos de aço tornam-nas mais transitáveis. Mais uma subidinha, rodeados de matagal até ao pescoço (ai, a bicharada!!!), e chegamos a uma estrada de asfalto. Dali, até à igreja, ponto de chegada, é um pulinho.

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Em jeito de avaliação, este é, inquestionavelmente, um trilho fantástico, apesar dos dois trajetos de grande dificuldade. Mais uma vez verificamos que quanto mais difícil, mais bonito. Felizmente, ainda existem pequenos redutos onde a natureza se encontra em estado puro. Talvez a dificuldade de acesso desincentive o homem de ali deixar a sua marca, tantas vezes nefasta e destruidora. Que assim se mantenha!

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A única nota negativa vai para a falta de limpeza de alguns troços do caminho... quase obstruídos pela vegetação. 
A empreitada de hoje terminou em Oliveira de Frades para o habitual petisco. Mas o ponto alto deste final de dia foi a visita ao Museu Municipal da vila, onde fomos simpaticamente recebidos e guiados numa interessante visita ao passado daquela zona. Saímos de lá com algumas (boas) dicas para visitas futuras. Oliveira de Frades promete e espera por nós!

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Nota sobre o Rio Vouga - Nasce na Serra da Lapa, a cerca de 930 metros de altitude e percorre 148 Km até desaguar em Aveiro. O seu curso desenvolve-se em três regiões distintas, que lhe conferem caraterísticas também distintas: na Serra da Lapa, é rio de planalto, correndo entre terrenos graníticos; em Lafões, é rio de montanha, correndo entre a Arada e o Caramulo; e finalmente, já perto de Aveiro, é um rio de planície. No médio Vouga, os rios principais são o próprio Vouga e, de montante para jusante, o Mel, o Troço, o Sul, o Varoso, o Teixeira e o Alfusqueiro. No inverno, as cheias frequentes engrossam o seu volume, enquanto que no verão o seu caudal se torna insignificante, permitindo a passagem a vau entre as duas margens. 
 
04.07.23

PR8 Rota da Laranja | Valadares (São Pedro do Sul)


Emília Matoso Sousa
Data | 18 de maio 2023
 
O percurso | 22,21 Km | 867 m ganho elevação | Moderado / Difícil 
Localidade | Valadares, freguesia de S. Pedro do Sul, distrito de Viseu
Pontos de interesse | Albufeira de Ribeiradio; Cascata do Pinho; Poço Negro; Mosteiro de São Cristóvão de Lafões; Levada de Paradela; Poldras do rio Almoinhas; Rios Vouga e Varoso

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Com a Serra da Gravia quase sempre no nosso horizonte visual, é nas suas encostas, na margem direita do rio Vouga, que vamos caminhar, passando pelas povoações de Covelo, Pedreira, Granja e Paradela.

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O ponto de referência para a partida é um laranjal no centro de Valadares. Esta é uma zona de boa laranja com direito a Feira bianual e tudo, daí o nome da rota. O 'laranjal' é que era constituído por apenas meia dúzia de laranjeiras. Regulemo-nos, pois, pela igreja matriz, ali mesmo à vista.

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Avançamos por caminhos rurais e florestais e vamos passando por pequenos aglomerados habitacionais e quintas, e vamos apreciando as vistas amplas para as povoações na outra margem do Vouga. 
No Gamoal, uma placa sugere-nos um desvio à capela de N. Sra. de Fátima. O  desvio é bastante íngreme, e a capela, visível do plano em que nos encontramos, é um pequeno e simples edifício branco, que não nos parece merecer o esforço da subida. Mais à frente, já na estrada, novo 'convite' para visitar a capela, desta vez acompanhado de imagens da Senhora e dos pastorinhos. Percebe-se que aquele é um ponto de passagem quase obrigatório no roteiro turístico da zona. Ficamos também a saber que a capelinha foi mandada edificar em 1976, por um jovem devoto, José Rodrigues de Oliveira, habitante do Gamoal. Ao longo dos anos, outros apontamentos alusivos à Cova de Iria foram sendo acrescentados ao local, tal a devoção do seu criador. As visitas terão de ser autorizadas pelo proprietário. Acredito que, para os devotos, este será um local de culto de particular religiosidade, resultante da comunhão com a natureza e da beleza da paisagem envolvente.

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Seguimos viagem e, nos Laijais, chegamos à EN333-3, que atravessamos, iniciando a descida para o Pinho. Ao chegar a uma bifurcação, decidimos fazer um desvio para ir ver a Cascata do Pinho. Vamos ter de descer bastante e depois subir. Uma habitante local, que por ali passava no caminho para uma casa que ali possui, acompanha-nos e vai-nos contando que naquelas aldeias já houve tempos de maior agitação. Já houve crianças, já houve escolas, já houve mais vida. Conta-nos também que há estrangeiros a comprar ali casas e a habitá-las. São ingleses, são alemães... Privilegiam o contacto com a natureza e vêm em busca de locais sossegados, mas próximos da civilização. São simpáticos, dizem os locais. 

20230518_105454.jpg20230518_110350.jpg20230518_111845.jpg20230518_112819.jpgA cascata é muito bonita e fica localizada num recanto idílico, despenhando-se sobre o espelho da Albufeira de Ribeiradio e rodeada de uma magnífica mancha de vegetação. Segundo a nossa 'guia', a queda já foi mais espetacular e mais alta. Mas isso foi antes da albufeira. Ainda assim, continua altaneira e valeu o esforço do desvio. 

20230518_110930.jpgRegressámos até à bifurcação, tomando agora a direção do rio Almoinhas, afluente do Vouga, onde, segundo placa informativa, se pratica canyoning ou, em português, canionismo. Uma modalidade que consiste na descida de cursos de água, geralmente em áreas montanhosas, onde ocorrem cascatas e canhões (canyons). É uma modalidade difícil, pela quantidade, variedade e complexidade de obstáculos a ultrapassar e que exigem a combinação de espeleologia e escalada, bem como a utilização de técnicas e materiais específicos. A contrapartida é a descoberta e o acesso a locais fantásticos e a recantos escondidos, de beleza única. Um desporto claramente adequado aos aventureiros que não passam sem uma boa overdose de adrenalina. A nós, menos dados a desportos radicais, resta-nos apreciar as belezas, porventura menos recônditas, mas, ainda assim, surpreendentes. É o caso dos cenários proporcionados pelo rio Almoinhas na zona do Tronco. São de cortar a respiração! O preço a pagar (ah, pois, nada é de borla nesta vida!) é ter de se atravessar as poldras - as Poldras do Tronco - que mais parecem um amontoado caótico de pedregulhos, uns meio submersos, outros cobertos de musgo escorregadio. Primeira reação: "Não vamos conseguir atravessar isto!". Segunda reação: "Voltar para trás, nunca!". Com mil cuidados, e com menos, ou mais, recurso aos quatro apoios, lá atravessámos o rio. Mais uma vitória para o nosso palmarés. E uma verdadeira aventura!

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Antes ainda de recuperar o fôlego, eis que temos pela frente uma subida bem acentuada por degraus escavados na rocha. Mais uma vez, a consolação é-nos oferecida sob a forma de paisagens soberbas. No fim da subida, chegamos ao Tronco. Por estrada, seguimos até ao Covelo, localidade com uma dimensão razoável e atravessada pelo rio Almoinhas, onde vamos fazer mais um desvio para ver o poço negro.

20230518_120346.jpg20230518_121719.jpg20230518_123817.jpgCascatas, poços negros, lagoas, águas cristalinas... os rios de montanha reservam-nos, de facto, as melhores surpresas. Após uma refrescante pausa junto ao poço, onde apetece mergulhar, dirigimo-nos ao café da localidade para reabastecimento de líquidos. Um estabelecimento simples, mas soberbamente localizado, com vistas magníficas e uma esplanada/terraço que mais parece um miradouro. Cinco estrelas!

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Repostas as energias (desde as poldras que vínhamos a subir), fizemo-nos à estrada. Novamente a subir, claro, que aquelas terras vivem penduradas nas encostas das montanhas. Ia ser a pior parte do trajeto. Uma floresta de eucalipto, uma árvore com que não simpatizo. Estradão de caminho aberto e eucaliptal. Dois indicadores de que ali, em tempos, houve incêndios. Enfim... E para tornar a coisa ainda mais 'agradável', não havia quaisquer sinais indicativos do caminho, apesar das várias bifurcações. Sem meios alternativos de navegação, é difícil chegar a bom porto. 

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Finalmente, deixamos o eucaliptal para trás. Estamos em frente ao ponto mais alto da Serra da Gravia, que tanto influencia aquelas terras, desde logo, protegendo-as dos ventos e fornecendo bons pastos para os animais da região.

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Vamos agora ladear um regadio que, por sinal, não leva água, e rumamos a Boavista, passando pelas localidades de Pedreira e Granja, marcadamente agrícolas. É na Granja que nos espera outra das atrações do percurso, a capela de São Caetano, à qual subimos para apreciar as imperdíveis vistas sobre o vale e para o Mosteiro de São Cristóvão de Lafões. Um mosteiro da Ordem de Cister, edificado no sécul XII, no cimo de um promontório rodeado pelo rio Varoso, e no centro de uma densa e rica mata autóctone. A sua forma atual remonta, no entanto, ao século XVII. Atualmente, está reconvertido em unidade hoteleira.

20230518_151822.jpg20230518_151930.jpg20230518_151952.jpgDirigimo-nos agora, em descida acentuada, para a levada da Paradela. Duas habitantes locais aconselham-nos a não ir, pois não acreditam que consigamos fazer o caminho. Agradecemos a preocupação, mas não podemos voltar atrás. O caminho é, realmente, difícil, apesar de curto. Íngreme, pedregoso, técnico, escorregadio. A exigir concentração máxima.20230518_155524.jpg20230518_155631.jpgA chegada à levada apresenta uma bifurcação. O desvio para a esquerda leva-nos às lagoas do rio Varoso e ao Poço do Mourão. A vegetação ripícola tapa um pouco a vista, mas dá para perceber que é maravilhosa. O som das pequenas cascatas, o chilrear das aves e as múltiplas tonalidades de verde embalam-nos e fazem-nos viajar para outras dimensões. Seria também este o acesso ao mosteiro, que gostaríamos de ter visitado. Porém, por ser propriedade privada, a passagem está interrompida.

20230518_160256.jpg20230518_161156.jpg20230518_161714.jpgVoltamos para trás e seguimos pela direita, na bifurcação, ladeando sempre a levada, caminhando sobre um passadiço de cimento.

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Água leva o regadio...
A Levada de Paradela é um canal através do qual é conduzida a água do rio Varoso até ao regadio de Paradela (para a rega de culturas agrícolas, designadamente o laranjal), situado a três quilómetros de distância. É, sem dúvida, uma obra notável que, com um passadiço pedestre a ladeá-la e envolta por uma densa mancha de vegetação, faz lembrar as famosas levadas madeirenses. Até o bosque ali existente, constituído por sobreiros, medronheiros, aveleiras, folhados e loureiros, entre outras espécies, se assemelha à floresta Laurissilva da nossa pérola do Atlântico. Um troço de rara beleza que dificilmente esqueceremos. Esta é uma zona sombria, muito húmida e repleta de vida. O verde vibrante das folhas enormes das árvores, os arbustos de tamanho XL, os fetos gigantes, as lianas (andará por ali algum Tarzan?)... Tudo parece irreal! 

20230518_173047.jpg20230518_163943.jpg20230518_162029.jpg20230518_164741.jpg20230518_165932.jpg

No final do passadiço, avançamos por um estradão até Paradela, povoação que atravessamos. E é por caminho ora florestal, ora rural que chegamos a Valadares.

Os pontos altos do 'passeio' foram, sem dúvida, a levada de Paradela e o rio Almoinhas com as suas envolventes. A nota menos positiva fica reservada para a mancha excessiva de eucaliptal. Entretanto, e porque os estômagos já reclamavam, era tempo de procurar um local para petiscar. O único café de Valadares estava fechado, pelo que foi já na zona de Oliveira de Frades, em Casal de Sejães, no restaurante Luciana, que fizemos um lanche ajantarado, tendo em conta o adiantado da hora. Um restaurante afamado pelo bacalhau na brasa, especialidade da d. Luciana, com quem combinámos uma futura ida para a devida prova.

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