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Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

26.06.23

PR 13 Na senda do Paivó | Regoufe (Arouca)


Emília Matoso Sousa
Data | 15 maio 2023
 
O percurso | Linear | 4,5 Km (x 2) (fizemos 11,18) | 481 m ganho elevação | Moderado 
Localidade | De Regoufe (670 metros altitude) a Covelo de Paivó (350 metros altitude), aldeias da União de Freguesias de Covelo de Paivó e Janarde,  concelho de Arouca, distrito de Viseu.

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De Regoufe a Covelo de Paivó e volta, 4,5 km em cada sentido, assim é o percurso que hoje nos vai deslumbrar, temos a certeza, pois sabemos que as vistas para a Serra da Arada são irresistíveis. Estamos em plena zona das Montanhas Mágicas, no Arouca Geopark, território protegido pelo selo da UNESCO... percebe-se porquê. Espera-nos um caminho ancestral, 'esculpido' na montanha. As expetativas são altas.
A estrada até Regoufe voltou a maravilhar-nos, com a serra já mais colorida, por ser  primavera. Sem dúvida, uma das estradas portuguesas mais bonitas!

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O percurso começa junto à igreja de Sto Amaro, em Regoufe. Por já conhecermos a aldeia, de onde também parte o caminho para Drave (Parte I, Parte II), que já fizemos, desta vez, decidimos poupar as pernas e não percorrer as suas ruas. Percorrer estas aldeias de montanha não é o mesmo que fazer um passeio no parque. De um modo geral, estão 'encavalitadas' no sobe e desce das encostas serranas. A parte do 'desce' faz-se bem, já a parte do 'sobe' é um teste aos limites da nossa resistência. Como terá sido possível construirem ali as aldeias? É que nem deve ter sido fácil!

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Saímos, pois, da aldeia e entramos num caminho rural construído de lajes e blocos de granito. Desconfortável, é claro, mas já começamos a estar habituados a estes pisos.

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Avançamos, sempre por cima de pedra e sempre a descer. Vai ser assim até ao nosso destino. A descer. A má notícia é que o regresso vai ser sempre a subir. 4,5 quilómetros! Mas, para já, há que aproveitar o momento e deixarmo-nos deleitar pela paisagem. Que é linda! 

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Em determinada altura, o caminho torna-se mais estreito e ainda mais inclinado. Mesmo sendo a descer, reclama muita atenção e não deixa de ser um pouco penoso. A compensação são as paisagens assombrosas que a Serra da Arada nos oferece. Apetece olhar constantemente, algo que só podemos fazer se interrompermos a marcha. 

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No fundo do vale, ouvem-se as águas da ribeira de Regoufe, que dão ao percurso uma agradável nota de frescura. O caminho não tem uma única sombra e o calor já se faz sentir. Um mergulhinho naquelas águas cristalinas seria bem-vindo...
 Aqui e ali, pequenas extensões de muros de pedra solta protegem-nos de zonas potencialmente menos seguras. O processo de construção daquele caminho é surpreendente. Literalmente esculpido na encosta rochosa. Quem terão sido os mestres de tão desafiante obra? Quão difícil terá sido vencer aquelas barreiras de pedra? E, já noutro plano, que histórias terá aquele caminho para contar? Que peripécias e aventuras terá acolhido? As marcas dos rodados dos carros de bois deixadas nas lajes de pedra traduzem bem o movimento que por ali terá havido entre uma aldeia e a outra. Por incrível que hoje nos possa parecer, aquele era o caminho usado no passado para transportar pessoas e bens entre Regoufe e a sede de freguesia, Covelo de Paivó. Era por ali que as crianças iam para a escola, que se ia para a missa, que seguiam os cortejos fúnebres... enfim, era a única via de acesso à 'civilização'. Um cruzeiro rústico erguido sobre um penedo dá-nos nota da religiosidade sempre presente nas vidas daquelas gentes. Com tantos perigos à espreita, um local, ainda que simples, para uma breve oração vem sempre a calhar.

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Lá em baixo, a ribeira de Regoufe e o rio Paivó já se encontraram e juntaram as suas águas, seguindo, agora, juntos, até ao rio Paiva. Nas encostas da serra, ruínas de construções antigas, muros de pedra seca a delimitar propriedades, ou ainda cercados para gado ou cultivo são algumas memórias de um tempo em que o homem venceu a pedra, colocando-a ao seu serviço, ao serviço da sua sobrevivência.

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E com a montanha sempre a olhar para nós, chegamos a Covelo de Paivó. O  percurso termina junto à igreja matriz, onde descansamos um pouco e nos preparamos psicologicamente para a subida do regresso. E não se pense que o regresso seja um mero déjá vu. Os ângulos de visão da paisagem envolvente são significativamente diferenciados, mostrando 'novidades' como se por ali passássemos pela primeira vez.

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Em jeito de balanço, este é um percurso, paisagisticamente falando, muito rico. Por um lado, as vistas fantásticas para a Serra da Arada, que nunca me hei de cansar de apreciar. Por outro, o engenhoso caminho 'cavado' na rocha e 'calcetado' com grandes lajes de granito. Mais uma maravilha de uma engenharia aparentemente simples, mas certamente de grande complexidade. Não sei quanto tempo terá sido consumido para a sua construção e tampouco sei se alguém o terá contabilizado. Tendo a acreditar que foi construído para durar, para atravessar os tempos e mostrar as capacidades vencedoras do homem na sua constante batalha em busca do seu lugar na natureza, por muito hostil que ela, por vezes, possa ser.  
O trilho ficará, certamente, nas nossas memórias e bem classificado no nosso ranking. O único senão é a falta de sombras, o que o torna desaconselhável no verão. 
A cereja no topo do bolo foi termos à nossa espera, em Regoufe, um rebanho de caprinos, que tinha tomado conta das ruas, compondo um postal muito típico da aldeia.

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 O petisco de final de jornada foi no já nosso conhecido Café da Montanha.

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No regresso, ainda iríamos ter um encontro inesperado. As famosas vaquinhas arouquesas, que eu tanto desejava encontrar. Ali estavam elas, donas e senhoras da estrada, a tratar dos seus estômagos, completamente alheias a carros ou a quem quer que fosse. 

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20.06.23

PR14VIS Caminhos de encanto da Bodiosa


Emília Matoso Sousa
20 abril 2023
 
O percurso | 16,4 Km |  251 m desníveis acumulados
Localidade | Bodiosa, freguesia do concelho e distrito de Viseu
 
O trilho de hoje decorre na Bodiosa, freguesia dona de alguns caminhos bem bonitos. É um trilho fácil de percorrer, apesar dos seus 16 quilómetros, sem descidas ou subidas de pendente dignas de nota.

20230420_133445.jpgPartimos da igreja matriz (as usual) e, poucos metros depois, passamos em frente à casa paroquial, uma casa antiga de traça bastante interessante, que está a ser alvo de obras de reabilitação, por sinal de forma muito bem conseguida. No exterior da casa é possível ver alguns elementos construtivos da antiga igreja, os quais acrescentam ao espaço algum charme. 

20230420_142826.jpg20230420_143107.jpgAvançamos um pouco e chegamos à Ecopista do Vouga, que percorremos durante um breve trajeto. A ecopista foi construída sobre a parte desativada do antigo ramal do Vouga e é uma obra digna de aplauso, ao disponibilizar à população em geral mais de 100 quilómetros paisagisticamente privilegiados para a prática de atividades desportivas ou de lazer. Esta ecopista entronca com a Ecopista do Dão, ligando Sernada do Vouga a Santa Comba Dão, passando pelos concelhos de Águeda, Albergaria-a-Velha, Sever do Vouga, Oliveira de Frades, Vouzela, S. Pedro do Sul, Viseu e Tondela, e podendo ser percorrida por qualquer meio de mobilidade suave (bicicleta, patins, cadeira de rodas ou a pé), num total de cerca de 120 quilómetros. Já pedalámos os 50 Km da do Dão (que liga Viseu a Santa Comba Dão) e vale muito a pena.

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Pouco depois, saímos da pista e seguimos por área rural até chegarmos a um caminho murado entre campos cultivados. Passamos pela fonte da Moita, onde os animais matavam a sua sede, e voltamos a entrar na ecopista que nos vai levar até à capela do Espírito Santo.

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Entramos em Bodiosa a Nova, onde podemos apreciar uma típica e antiga eira local com os seus espigueiros. Daqui, seguimos para Silgueiros. Até entrar na aldeia, temos a maior subidinha do dia, mas nada de assustador. Depois da capela de Sta Marinha, voltamos a entrar em campos e área natural.
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O destaque do caminho vai para o trajeto que agora iremos fazer entre muros. Um caminho extremamente estreito ladeado por uns muretes rústicos e antigos, como ainda não tínhamos visto nestas andanças. Muito pitoresco e muito bonito!

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Voltamos a entrar em Silgueiros e atravessamos por entre o seu casario. Um saco com pão pendurado numa porta, algo só possível nestas terras pequenas, indicia que ainda é cedo. Começámos a caminhada cedíssimo para 'fugir' ao calor de uma primavera que mais parece verão...

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Chegamos às eiras comunitárias da aldeia. Um conjunto bastante pictórico e a ilustrar bem como era, no passado, o ritual em torno dos cereais. Malhar, peneirar, separar os grãos, e armazenar. Tudo em conjunto e tudo no mesmo local. 

20230420_101618.jpg20230420_101733.jpgSegue-se agora um trajeto longo sem grande interesse, até Pereiras, que atravessamos, e seguimos viagem até à anta do Fojo. Um dólmen, ou anta, fragmentado e parcialmente completo, que é Imóvel de Interesse Público e que data do Neolítico Final, IV a III milénio a.C.. Situa-se num plano superior em relação ao caminho e está quase enterrado, pelo que passa quase despercebido.

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Seguimos caminho entre pinhal e carvalhal até Póvoa de Bodiosa. Espera-nos a capela da Sra da Saúde e a sua monumental escadaria, de cujo topo se pode observar a paisagem envolvente de Bodiosa. A monumentalidade da escadaria faria supor uma capela com alguma imponência e não uma pequena e simples capela sem qualquer beleza. Uma placa existente no local informa que a obra foi "executada pelo povo" em 1994. Já o calcetamento do largo foi "efectuado pela Comissão de Compadres" em 2007. É prática relativamente comum nos meios mais pequenos ser a comunidade local a assumir a realização de determinados melhoramentos. Não me parece um mau princípio!

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Descemos a escadaria e, novamente por caminhos entre campos, dirigimo-nos ao bonito moinho de Queirela, de onde avançamos entre campos de cultivo, estes um pouco elameados e atravessamos a ponte de Queirela, rústica e construída em granito tosco.

20230420_133445.jpgVoltamos à ecopista e por aí seguimos até alcançar a antiga estação de Bodiosa, totalmente recuperada e atualmente sede da junta de freguesia. O percurso termina poucos metros depois.

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A arte de trabalhar o estanho.
O encanto da Bodiosa não fica, no entanto, pelos seus caminhos. É que os seus estanhos artísticos são o primeiro produto artesanal do concelho de Viseu a receber certificação. E qual a razão desta produção artesanal na Bodiosa? A existência de minas na freguesia, onde se extraía o estranho, e também a presença da Sociedade Mineira do Paiva, onde se fazia a separação e tratamento desse minério. Ora, com a decadência da exploração mineira surgiu uma especialidade de dimensão artística, ou seja, os profissionais que tinham competências na manipulação de estanho começaram a criar peças artísticas e decorativas, algo que se mantém até hoje.
 
Como nota final, saliento que a pouca espetacularidade paisagística deste trilho é compensada pela riqueza e variedade da paisagem humana, seja nas aldeias que atravessámos, nos campos de cultivo, ou nas construções de um tempo passado que, sob a capa de simples e rudimentares, são a expressão mais evidente da vitória das competências do homem sobre as forças da natureza. 
13.06.23

PR17 VIS Povolide e seus caminhos com História


Emília Matoso Sousa
11 de abril 2023
 
O percurso | 9,5 Km (fizemos 11) | 363 m ganho elevação 
Localidade | Povolide: Freguesia do distrito de Viseu.

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 Enquanto nos preparamos fisicamente para a nossa próxima 'grande' aventura a pé, desta vez por terras escocesas, aproveitamos todas as oportunidades para fazer quilómetros. Não apenas do ponto de vista 'contabilístico', pois se há coisa que gostamos, mesmo, de fazer é 'desbravar' os caminhos deste nosso País das Maravilhas. E se há uma zona boa a valer para nos preparar para todo o terreno, essa zona é, certamente, a Beira Alta, com o seu 'sobe e desce', tantas vezes diabólico. Depois do Vale da Cadela e da Rota dos Galhardos, ambos na Serra da Estrela, decidimos dar umas tréguas aos nossos massacrados músculos, fazendo um ou dois trilhos mais suaves. Fomos à descoberta de Viseu que, através de um conjunto de pequenas rotas, nos dá a conhecer alguns dos seus 'arrabaldes'. Aldeias e pequenas localidades predominantemente rurais, diga-se de passagem, mas com muitos recantos interessantes para mostrar. Começámos por Povolide. Uma freguesia que até 1855 foi vila e sede de concelho. As várias casas agrícolas senhoriais que, apesar de muito degradadas, ainda se mantêm de pé neste território, deram, nos seus tempos áureos, fortes contributos para o desenvolvimento local. Hoje, pode já não ser vila, mas abrange oito aldeias - Cabril, Cadimas, Nespereira, Nesprido, Povoação, Vila Corça, Vilar de Baixo e Vilar da Ordem - todas com fortes tradições rurais e com muitas histórias para contar.

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 O início dos trilhos é, quase invariavelmente, junto à igreja matriz. Nem poderia ser de outra forma, pois é a igreja que assinala o 'centro' das aldeias. Terá, aliás, sido em torno das igrejas que, no início da vida (destas localidades, bem entendido), os núcleos habitacionais se desenvolveram. Uma igreja bastante imponente, algo que também é habitual por estas bandas. Avançamos, primeiro pela estrada e,  mais à frente, por caminhos florestais. É sempre agradável passear sob a sombra de carvalhos, geralmente, frondosos. O carvalho, uma árvore belíssima e importantíssima para a biodiversidade e que representa a base da floresta nativa portuguesa. Há muitas espécies de carvalhos, ou quercus, se quisermos usar o seu nome científico, mas o que talvez não seja do conhecimento comum é que o sobreiro e a azinheira, tão típicos das nossas terras do sul, fazem também parte desta numerosa família.   

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 Em Vilar da Ordem (os nomes destas aldeias deste Portugal menos conhecido são muito peculiares) podemos ver alguns exemplos arquitetónicos de construção típica rural, ainda que em ruínas. Aí encontramos também a notável Casa Rui, cujo estado de conservação é bastante razoável.

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Voltamos aos campos e passamos por uma zona de penedos onde no passado se extraía pedra. Continuamos por caminhos rurais, até que encontramos a Casa Francisco Diogo Lopes Júnior, mais um exemplar de casa senhorial, ou melhor, um complexo de casas, junto às quais o dono da propriedade, em 1831, mandou construir um enorme e bonito chafariz - chafariz do Eiró. Aproveitámos para reencher os cantis e provar (e comprovar) a qualidade da água.

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Segue-se a Quinta do Paço que, em tempos, deverá ter sido magnífica, mas que hoje, está votada ao mais degradado abandono. É pena, pois trata-se de um edificado com um enorme potencial. 

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 Vamos agora para Outeiro de Povolide, supostamente, pelo mesmo caminho que os condenados à forca percorriam. Que horror! Não é agradável pensar que no nosso país já houve práticas tão incivilizadas. Tirando este 'pormenor', a localidade é bastante interessante. Daqui, por um caminho completamente tomado por vegetação, chegamos a uma levada, no fim da qual atravessamos umas poldras.

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Chegamos a uma estrada asfaltada para, logo de seguida, entrarmos num estradão de terra, passando pela secular fonte do Além, infelizmente pouco preservada, e seguimos, entre floresta e campos de cultivo, até à aldeia de Nespereira. Caminhamos um pouco pelas ruas da localidade e entramos na última parte do percurso, feito, em grande parte, pelo meio de vinhas, o que o torna especial. É comum passarmos junto às vinhas, não por dentro das vinhas. Pouco depois, chegamos à igreja de onde partiramos.

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Um percurso simples, sem paisagens de recortar a respiração, mas a levar-nos por um contínuo de aldeias beirãs com o seu 'quê' de encantador e revelador de um Portugal rural que, apesar de situado nas franjas de Viseu, preserva caraterísticas da mais genuína ruralidade.  

 
05.06.23

Romaria de Nossa Senhora dos Verdes


Emília Matoso Sousa
Data: 28 de maio 2023

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Festas e romarias. Este é um capítulo fundamental quando procuramos informação sobre as nossas vilas e aldeias. E não precisamos de pesquisar muito para perceber que, ao longo do ano, por todo o país, há uma agenda quase infinita de festividades, maioritariamente de cariz religioso, que vão animando as nossas populações. Haverá manifestação mais genuína do que um povo que põe em prática as suas tradições, as suas heranças culturais, aquelas que lhe são passadas no momento do nascimento como se do seu ADN fizessem parte?

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Há dias, tive a oportunidade de participar na Romaria de Nossa Senhora dos Verdes, que faz parte do programa de festas de Abrunhosa-a-Velha, no concelho de Mangualde, e que mobiliza 'peregrinos' das freguesias circundantes. Realiza-se 50 dias depois do domingo de Páscoa ou, para facilitar as contas, no sétimo domingo após essa celebração. Para os mais conhecedores de temas relacionados com a Igreja, é no dia de Pentecostes, palavra que em grego significa, precisamente, quinquagésimo, e que póe fim ao tempo pascal. É, pois, uma data muito importante no calendário cristão.   
A romaria, bem como uma procissão, dirige-se à ermida de Nossa Senhora dos Verdes, situada a cerca de 2 Km de Abrunhosa-a-Velha, onde se realiza uma missa campal e onde, depois de um almoço no campo, junto à ermida, têm lugar atividades várias com música e muita animação. Este ano, devido à chuva abundante, o tradicional almoço foi realizado dentro de portas, na Casa do Povo de uma das freguesias.  

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Da Senhora dos Verdes só recentemente ouvi falar, o que não admira, dada a variedade de nomes que a Senhora assume, consoante as diferentes causas que assiste. Ora, neste caso, ela protege a agricultura de pragas e de fenómenos naturais, para que as colheitas sejam boas e fartas. Trata-se de uma devoção que teve início, supostamente, do século XVI, quando uma praga de gafanhotos atacou os campos do concelho de Mangualde, bem como outros concelhos ali à volta, e só a intervenção de Nossa Senhora os exterminou. Desde então, os devotos de algumas das freguesias vizinhas deslocam-se ali em romaria religiosa com algumas notas que a tornam bastante pitoresca. 

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20230528_094518.jpg20230528_091118.jpg20230528_085355.jpgTradição é tradição...
E por isso, quer chova, quer faça Sol, sozinho ou acompanhado, a tradição manda que se vá a pé. E é a pé que se percorrem os cerca de oito quilómetros que separam Santiago de Cassurrães, a romaria que acompanhei, da ermida da Sra. dos Verdes, com passagem por Póvoa de Cervães. Parte do percurso pela serra, parte pela estrada. Este ano, debaixo de uma chuvinha bastante persistente. A partida é muito cedo e todos levam farnel para um segundo pequeno-almoço a meio do caminho. Um farnel para partilhar, pois então, em que não falta pão nem... chouriças. As chouriças são, aliás, as protagonistas, com direito a flores e lugar de destaque. Quase todas feitas pelos próprios, o que dá azo a uma pontinha de salutar competição. E há uma (chouriça) de tamanho gigante... 

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20230528_103118.jpgA fé e a devoção estão bem presentes, seja nas orações, em voz alta numa parte do percurso, seja nas três voltas dadas em torno das igrejas do caminho. Rituais que todos sabem de cor.

20230528_094616.jpgDe facto, aquilo que melhor define um povo são as suas tradições. Há, no entanto, uma tradição que é comum a todos os Portugueses. É que não há celebração que não termine à volta de uma mesa posta com aquilo que cada região tem de melhor, seja ao nível do sólido, seja ao nível do líquido, que isto de caminhar cansa bastante e gasta muitas energias. Portanto, alimentado o espírito, há que alimentar o estômago, já no regresso a Santiago de Cassurrães. Desta vez, calhou um saboroso rancho à moda das Beiras. E que bom que estava!