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Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

Caminhos Mil

"É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.", José Saramago

30.03.23

PR4 GVA: Roteiro Literário Vergiliano + Rota rural


Emília Matoso Sousa

Data: 7 março 2022
Dois percursos | urbano: 1 Km, rural: 9 km | Circular | 403 m desnível acumulado | Grau dificuldade: moderado
Pontos de interesse
Todos os locais do percurso urbano; Chão do Paço; Minas do Caramão
Observações
A classificação ‘moderado’ deve-se sobretudo ao esforço exigido pelos trajetos em subida.
Localidade
Melo | Freguesia do concelho de Gouveia, distrito da Guarda.

Nasci em Melo, na serra da Estrela, a meia distância entre a Guarda e Viseu. E a sensibilidade que tenho aprendi-a ali. Mas é possível que essa sensibilidade fosse não um efeito mas uma causa, que eu tenha criado a aldeia e não ela a mim.", Vergílio Ferreira in Conta-Corrente

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Para quem gosta de ler, para quem gosta de literatura de língua portuguesa e, principalmente, para quem gosta de Vergílio Ferreira... este é o roteiro! Realizado em Melo, terra natal do escritor, e composto por duas partes distintas (uma urbana, outra rural), o percurso proporciona-nos uma incursão no universo de um dos nomes maiores das letras em Portugal na segunda metade do século XX.

20220307_125522.jpgComeçámos por percorrer as ruas de Melo, a aldeia "eterna" do escritor, onde ele passou toda a sua infância, para conhecer todos os locais que o marcaram e que ele tão bem levou para dentro das suas obras, praticamente sem quaisquer alterações. Os lugares, os monumentos, as igrejas, as casas, a escola onde aprendeu a ler, as paisagens de Melo, a Serra... Por isso, a homenagem está por todo o lado. Tudo começa na Praça Central que, por ocasião do centenário do nascimento do autor (2016), foi requalificada e dedicada à sua vida e obra. Depois, é seguir o roteiro e deixarmo-nos levar. Em cada local de referência, há excertos de textos com a identificação das respetivas obras. Caso as tenhamos lido, é tempo de relembrar, caso não tenhamos, fica suscitada a curiosidade.

20220307_131507.jpg20220307_132604.jpg20220307_132621.jpg20220307_125845.jpg20220307_125951.jpg

O roteiro literário

Mas quando volto com a mala - a casa. Olho-a ainda, não me canso de a olhar. É alta, toda de amarelo, agora desbotado. Lojas, dois pisos. As empenas chanfradas, um ar poliédrico no seu facetado. E o olhar cego das janelas, cerradas. Bloco imóvel e à volta um ressoar grande de espaço.”, Vergílio Ferreira in Para Sempre

20220307_130152.jpgO roteiro passa pelos seguintes locais, bem identificados em obras do autor : Casa onde nasceu (Para Sempre); Pelourinho (Na Tua Face); Capela de Nossa Senhora da Conceição (Conta-Corrente); Casa de S. Caetano (Mudança; Diário Inédito); Escola dos Rapazes (Vagão 'J'; Alegria Breve; Signo Sinal); Loja do Nunes (Onde tudo foi Morrendo; Diário Inédito); Correio e Taberna do Coxo (Signo Sinal); Capela da Misericórdia (Para Sempre; Alegria Breve); Capela do Senhor do Calvário e Torre do Paço (Vagão 'J'; Contos); Casa dos Beja Neves (Manhã Submersa); Casa dos Pais de Cláudio de Até ao Fim (Até ao Fim); Casa do Pároco (Alegria Breve; Para Sempre); Igreja Matriz (Alegria Breve); Rampa (Alegria Breve); Casa de Gertrudes – Santa Vieira/Santa Moreira (Alegria Breve); Rua das Casas Queimadas (Para Sempre); Tronco do Ferrador (Signo Sinal); Casa dos pais de Vergílio Ferreira (Para Sempre); Ribeira dos Namorados; Minas do Caramão; Capela de Santa Eufémia.

Vergílio Ferreira saiu de Melo após concluir a escola primária com o objetivo de continuar o seu percurso de estudante (Fundão, Guarda e Coimbra). Estudou seis anos no Seminário do Fundão, experiência que o marcou profundamente e que tão bem ilustrou no seu romance Manhã Submersa. Foi, aliás, através deste romance que, ainda estudante, 'conheci' o autor. Uma obra que me marcou profundamente e que, em grande parte (toda?), ainda se mantém atual. É um daqueles escritores que, de vez em quando, revisito sempre com redobrado prazer. Melo e a Serra da Estrela (e a neve) foram o que mais moldou a sua essência, algo que se percebe nas referências que lhes faz nas suas obras. Como nota final, Vergílio Ferreira foi professor de português, nos liceus de Faro, Bragança, Évora (cidade que também deixou marca na sua obra - Aparição) e Lisboa, no Liceu Camões, onde terminou a sua carreira. A sua obra foi multifacetada, abrangendo, a par do romance, áreas como o ensaio, o conto, ou o diário. Acima de tudo, era um pensador (ou um escritor filósofo, de acordo com alguns dos seus estudiosos). Morreu em 1996 e está sepultado na sua aldeia, tendo pedido para ficar voltado para a Serra...

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A Estrela. "Plácida. Imensa. Definitiva." (Para Sempre)

Neve, desolação do Inverno e o augúrio dos ventos e a presença física e metafísica da montanha que de um extremo da aldeia se vê desdobrar-se em toda a sua massa, e o erguer por detrás dela a Lua de Verão são entre outros os motivos que se me fixaram largo tempo para saber ser sensível e entender-me a mim próprio.", Vergílio Ferreira in Conta-Corrente

É impossível viver nas encostas da Serra da Estrela e não sentir a sua influência. A sua impressionante volumetria, que ocupa toda a paisagem, o rigor e a inclemência das suas temperaturas, ou a intransponibilidade de grande parte do seu território terão, certamente, moldado as populações que a rodeiam e habitam. Não lhes terá proporcionado um processo de adaptação fácil, mas acredito que as terá dotado de um caráter forte, cimentado no orgulho de 'conviverem' com a serra 'rainha', a mais alta do nosso território continental. E é numa dessas encostas que se situa Melo, uma aldeia serrana, rural e discreta que, de forma quase improvável, respira literatura em quase todos os seus recantos. Tudo por causa da homenagem que o município lhe prestou, 'salpicando' toda a aldeia com referências das suas obras.

20220307_125422.jpgSerra acima e serra abaixo…
Há em Melo um edifício que chama a atenção pela sua dimensão. É o Paço de Melo, um imóvel classificado que, ainda que em adiantado estado de ruína, mantém a imponência e dignidade que terá tido no passado. A sua origem remonta aos séculos XIII/XIV e era a residência senhorial do primeiro Senhor de Melo. Terá, certamente, muitas histórias para contar, sendo uma delas o facto de ter servido de refúgio ao Bispo da Guarda durante as invasões das tropas napoleónicas. Saímos de Melo e, imediatamente, começamos a subir... a serra. Uma subida daquelas tão rasgadinhas que quase nos obriga a levar as mãos ao chão. Os sulcos rasgados na pedra indiciam que, em períodos de chuvas, constituirão desafios a ter em conta. Como que de repente, olhando para trás, o casario da aldeia começa a ficar minúsculo, e cada vez mais minúsculo. 

20220307_124240.jpg20220307_124318.jpg20220307_124413.jpg20220307_135838.jpg20220307_142718.jpg20220307_142449.jpgA corrida ao 'ouro negro'
Chegamos a uma antiga exploração de volfrâmio, as minas do Caramão. Encontram-se muitas pelas nossas serras. Marcas profundas deixadas, sobretudo, após a corrida ao 'precioso' minério, sobretudo durante a segunda grande guerra mundial. Por ser duro e resistente ao calor, o volfrâmio era utilizado para fabricar armas e munições. Portugal foi um dos principais países produtores, abastecendo ingleses e alemães. As cotações deste "ouro negro" subiram e originaram atividades clandestinas, desvios de minério e até falsificações. Muitas famílias dedicaram-se, noite e dia, a explorar o "volfro" que ali estava naqueles filões, como forma de aumentar os seus frágeis rendimentos dependentes da sazonalidade da agricultura. Pontualmente, fizeram-se fortunas.

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A encosta onde nos encontramos guarda ainda muitas cicatrizes deixadas pelos incêndios de 2017. Troncos carbonizados, ruínas de pequenas casas que pouco mais são do que uma sobreposição de pedras sobreviventes. Não há palavras capazes de descrever tão enorme desolação. A vegetação arbustiva já começou a fazer o seu trabalho mais ou menos regenerador, mas há demasiados troncos queimados a entristecer a paisagem. Ainda assim, passamos por algumas quintas que foram poupadas à fúria dos fogos, mas que, é fácil de imaginar, terão passado por momentos de verdadeiro horror. Em zonas não muito distantes, a tragédia repetir-se-ia em 2022.

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Deixada a encosta para trás, e depois de atravessar uma estrada asfaltada, entramos em paisagem rural, onde se destacam olivais antigos, e por ela regressámos até ao nosso ponto de partida.

20220307_153951.jpg20220307_160743.jpg20220307_162637.jpgO ponto diferenciador do percurso foi, sem dúvida, o roteiro literário, que nos proporcionou 'entrar' dentro da obra de Vergílio Ferreira, com passagem por alguns dos seus recantos mais emblemáticos. É de louvar a incrível homenagem feita por quem de direito a quem de direito. Na sua componente urbana, este roteiro pode ser feito com um guia, partindo da Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira, em Gouveia. Imperdível para os apreciadores!

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Para terminar em grande só faltava mesmo encontrar um sítio onde pudessemos dar resposta a algum 'apetite' que, entretanto, começara a fazer-se sentir. E não é que encontrámos um bem catita? Pãolourinho de seu nome, por se situar junto... ao pelourinho. Um café/ restaurante/ bar/ alojamento local muito castiço e acolhedor, que funciona também como espaço de exposição da obra de escultura em madeira do seu simpático proprietário que, nas horas vagas, ainda consegue ser artesão.

27.03.23

PR3 PCT: Cenários do Passado (Esmolfe)


Emília Matoso Sousa

Data: 14 de abril 2022

O  percurso
9 Km   |   Circular   |   165 m desnível acumulado   |   Grau dificuldade: fácil
Pontos de interesse
Anta do Penedo do Com, Necrópole Medieval, Maçã Bravo de Esmolfe
Localidade
Esmolfe | Freguesia do município de Penalva do Castelo, distrito de Viseu.

E se ao percorrer as ruas de uma aldeia, encontrar uma escultura de granito em forma de maçã… isso quer dizer que está em Esmolfe. 

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“O vinho do Dão, o queijo da Serra e a maçã Bravo de Esmolfe constituem a ‘trilogia de excelência’ dos produtos endógenos [de Penalva do Castelo]”. A afirmação é feita no site da Câmara Municipal deste município e não sou eu que os vou contrariar, antes pelo contrário, até porque, qualquer um deles é bom, quer para os nossos apetites gastronómicos, quer para a economia local. 

20220414_142926.jpgO trilho de hoje desenvolve-se em Esmolfe, nada menos do que o berço das famosas maçãs Bravo de Esmolfe DOP (Denominação de Origem Protegida), assim chamadas, está mesmo a ver-se porquê. Mas nem tudo são rosas na ‘vida’ desta variedade de fruta, também considerada um ex-libris ao nível nacional. Apesar de muito apreciada e de ser dona de um aroma, aspeto e sabor inconfundíveis, a verdade é que há alguma confusão acerca do seu verdadeiro nome, vítima de deturpadelas, sendo, por exemplo, muitas vezes chamada de ‘bravo mofo’. Por ser tão especial e importante para a região, tem até direito a uma feira anual, que se realiza no segundo domingo de outubro, em Esmolfe, pois claro.

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Geologia, arqueologia e paisagem
O trilho de hoje iria proporcionar-nos uma viagem a um passado muito longínquo, como provam algumas relíquias que chegaram aos nossos dias. Um aspeto que nos tem surpreendido muito, ao percorrer estes trilhos, é o legado arqueológico escondido nas nossas florestas, ou mesmo em campos de cultivo. Através do seu estudo foi possível determinar como viviam os nossos antepassados nas várias fases de ocupação destes territórios e, no caso da zona de Esmolfe, há vários testemunhos da presença humana que remontam à pré-história.  
 
O percurso tem início na Igreja Matriz de Esmolfe, ou de Nossa Senhora da Conceição, datada do século XVIII. Perto deste local, era suposto que estivessemos atentos ao  "magnífico exemplar de relógio de sol, esculpido em granito”, para nos “deleitarmos a ver as horas, através de uma técnica ancestral”. Perante tão promissora descrição, fizemos questão de o encontrar, tarefa que se revelou difícil, pois que o mesmo se encontrava quase escondido pela fachada de uma casa entretanto reconstruída. E era um ‘pequeno’ relógio. Não valeu o esforço…

20220414_142813.jpg20220414_171705.jpgSaímos do miolo urbano e, imediatamente, entramos em terreno agrícola e florestal. Passamos por algumas vinhas e caminhos murados e chegamos aos sítios da Eirinha e de S. Martinho, onde, em terreno privado, mas de acesso livre, podemos apreciar uma alminha que tem por base uma ara romana, uma necrópole medieval romana, escavada na rocha e constituída por sepulturas antropomórficas, e também uma lagareta medieval (rudimentar lagar de vinho esculpido em laje de pedra). 20220414_144558.jpg20220414_144628.jpgHá, de facto, muitas vinhas por aqui, ‘temperadas’ pelos rios Dão e Côja, entre as margens dos quais Esmolfe se situa. Dois rios, cujos benefícios não serão, também, alheios à excelência das já referidas maçãs locais. Passamos pelos respetivos pomares, é verdade, mas as árvores ainda estão despidas. 

20220414_150208.jpg20220414_152113.jpg20220414_153202.jpgNas zonas de floresta, as flores brancas das giestas já tomaram conta da paisagem,  oferecendo-nos um verdadeiro espetáculo de cor branca. Alguns penedos pontuam o caminho, formando contrastes engraçados com a vegetação e com o branco e azul do céu que, hoje, está particularmente ‘fotogénico’. 

20220414_154355.jpg20220414_154515.jpg20220414_155704.jpg20220414_160124.jpgE chegamos a um 'momento' pré-histórico: a Anta do Penedo do Com, provavelmente o ex-libris do património arqueológico do concelho de Penalva do Castelo, que é onde nos encontramos. Trata-se de um monumento funerário coletivo de câmara coberta por uma laje de cerca de oito toneladas, sendo o corredor também coberto. Está bem recuperada e conservada, o que é um sinal bastante positivo.

20220414_160454.jpg20220414_160642.jpgDe acordo com os estudos arqueológicos ali desenvolvidos, foi possível situar a sua utilização no quarto milénio a.C., tendo sido reutilizada no período calcolítico (cerca de três mil a.C.). Num raio de sensivelmente 500 metros, existem diversos abrigos naturais utilizados também nesse período. 

20220414_163039.jpg20220414_163549.jpg20220414_165732.jpgSeguimos viagem e chegamos a Esmolfe, onde aproveitamos para fazer um reconhecimento da localidade. Estava terminado mais um agradável passeio pela História (e Pré-história) patrocinado pelas belíssimas paisagens beirãs e adocicado pelos aromas (ainda que imaginários) das maçãs Bravo. De Esmolfe. Não esquecer!

21.03.23

PR6 GVA: Rota das Alminhas (Vila Nova de Tazem)


Emília Matoso Sousa
Data: 25 fevereiro 2023
O  percurso
17 Km  (fizemos 19,8) |   Circular   |   257 m desnível acumulado   |   Grau dificuldade: fácil
Pontos de interesse
Alminhas e capelas
Localidade
Vila Nova de Tazem | Freguesia do município de Gouveia, distrito da Guarda. É a única vila do concelho.
Observações | Algumas deficiências ao nível da sinalização
Le véritable voyage de découverte ne consiste pas à chercher de nouveaux paysages, mais à avoir de nouveaux yeux.”, Marcel Proust
Hoje, era dia de explorar Vila Nova de Tazem, através de um percurso que tem início na sua avenida principal, perto da Igreja Matriz, e que passa por Tazem e Paçoinhos, duas das suas aldeias. A paisagem é predominantemente rural, com as vinhas da sub-região da Serra da Estrela a merecer destaque. Dali, saem as uvas que darão origem aos famosos vinhos de altitude, cujas caraterísticas ‘montanhosas’ não passarão, certamente, despercebidas aos palatos mais apreciadores e informados. Que os há!

20230225_102516.jpg20230225_104731.jpg20230225_103114.jpgNo entanto, não é uma viagem pelo mundo dos vinhos que o trilho nos propõe, mas sim pelo património religioso da zona, onde é possível encontrar nada menos do que 26 alminhas e seis capelas, não esquecendo a Igreja Matriz da vila, dedicada a N. Sra. da Assunção. Igreja que nasceu da vontade benemérita de Joaquim Borges, médico e natural da terra, e foi construída entre 1894 e 1903. O seu contributo estendeu-se a outras obras, pelo que não devemos estranhar que a principal avenida da vila tenha o seu nome.

20230225_094326.jpgMas vamos às alminhas… Antes de mais, enquanto património artístico-religioso, elas são de expressão marcadamente popular, como evidencia a sua simplicidade. São locais de culto às almas do Purgatório e traduzem bem a profundidade religiosa destas populações. 

20230225_100015.jpgO Purgatório que, muito sucintamente, enquanto dogma da Igreja Católica, foi instituído  durante o Concílio de Trento, convocado pelo Papa Paulo III realizado no século XVI, entre 1545 e 1563. Corresponde a um lugar de passagem, espécie de limbo entre a Terra e o Reino dos Céus, cuja finalidade é ‘purificar’ as almas que, morrendo em estado de graça, são ainda detentoras de algumas imperfeições. Esta situação só é válida para pequenas falhas ou pecados ligeiros, pois que os praticantes dos pecados mortais não têm lugar no referido Reino. Ora, as alminhas materializam, precisamente, a piedade cristã, de raíz popular, de devoção às almas no Purgatório. Tudo motivado pela convicção institucionalizada de que a saída das almas de tão indefinida situação dependia dos vivos, isto é, da quantidade das suas orações... e esmolas.

20230225_103400.jpgAs alminhas estão também associadas à proteção de viajantes, daí a sua frequente localização em caminhos isolados ou em encruzilhadas. Na Beira Alta são muito comuns e atualmente, devido à transformação dos tecidos rurais em urbanos, podem ser também encontradas nos muros e fachadas das casas, bem como nas bermas de estradas municipais e nacionais. De tal forma, que o que nos surpreende é encontrá-las nos seus locais tradicionais: caminhos rurais ou até na beira de um caminho florestal.

20230225_121444.jpg20230225_112404.jpg20230225_132052.jpg20230225_120043.jpgNão encontrámos as 26 alminhas, ainda que muito perto disso, apesar de termos seguido com rigor o traçado do caminho, e apenas conseguimos entrar numa das seis capelas, a única que estava aberta.20230225_114623.jpg20230225_114521.jpgAinda assim, o trilho revelou-se bastante interessante com cenários muito bonitos. É curioso observar as diferenças entre as vinhas velhas, na sua pacata e consolidada existência (algumas ainda suportadas por esteios) e as mais recentes, a formar esquadrias quase milimétricas e preparadas para cumprir os ambiciosos objetivos impostos por métodos de produção mais intensivos; ou constatar que neste mundo um pouco ‘louco’, e em zonas do país ‘ditas’ remotas, há quem cultive e crie os seus próprios alimentos, esses, sim, verdadeiramente gourmet; ou questionar como será viver-se inserido numa paisagem que muda de cor a cada três meses…

20230225_130149.jpg20230225_130921.jpg20230225_132603.jpg20230225_133302.jpg20230225_134642.jpgE por falar em cor, algumas flores silvestres começam já a surgir… e a fazer surgir em mim uma nova curiosidade: conhecer os seus nomes. Lá chegarei!20230225_131708.jpg20230225_130444.jpg20230225_123239.jpgRegressados a Vila Nova de Tazem, ainda passámos pelo monumento que homenageia todos os que, noutras paragens, procuraram melhores oportunidades de vida. As casas, temporariamente fechadas ou com elementos decorativos no exterior alusivos a vários países, revelam que aquela é uma zona onde o fenómeno da emigração é significativo. 

20230225_115756.jpgPerto da igreja, alguns homens praticavam um jogo tradicional, a malha. Ambientes diferentes, culturas diferentes! A chuva, que entretanto chegou, obrigou-os a bater em retirada e o mesmo fizemos nós, pois uma ‘carga de água’ não era o final de tarde que tínhamos programado. 

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15.03.23

PR2 CRS: Rota dos Narcissus (Fiais da Telha, Carregal do Sal)


Emília Matoso Sousa
Data |  23 fevereiro 2023
 
O  percurso
14 Km (fizemos 19)  |   Circular   |   425 m desnível acumulado   |   Grau dificuldade: moderado
Pontos de interesse
Abrigo da Orca; Dólmen da Orca; Orcas do Ameal 1 e 2; Penedo da Víbora; Orquinha da Víbora, Rio Mondego
Localidade | Fiais da Telha  | Freguesia de Oliveira do Conde, município de Carregal do Sal, distrito de Viseu.
Observações  |  Mau estado do piso em alguns dos caminhos abertos de elevada inclinação; sinalética com algumas falhas, a reclamar meios de orientação alternativos; zonas do caminho tomadas por vegetação. O percurso desenvolve-se em área protegida e integrada na Rede Natura 2000, cuja finalidade é “assegurar a conservação, a longo prazo, das espécies e dos habitats mais ameaçados da Europa, contribuindo para parar a perda da biodiversidade”.
 
O percurso de hoje iria proporcionar-nos, supostamente, a observação do Narcissus Scaberulus, também denominado Narciso do Mondego, no seu habitat natural. Íamos andar pelo vale do Mondego, zona de grande biodiversidade florística e com alguns endemismos, entre os quais este narciso, que floresce nos meses de fevereiro e março. Porém, apesar de estarmos no ‘sítio certo à hora certa’ não vislumbrámos um único exemplar. Mas vimos outras coisas… Esta é, aliás, uma rota que pode dividir-se em duas partes completamente distintas, desenvolvendo-se a primeira numa área arqueológica protegida, sendo parcialmente coincidente com o Circuito Pré-Histórico Fiais/Azenha. Para os amantes dos períodos mais longínquos da História, este é um passeio recheado de pontos de interesse. Provavelmente pela sua localização privilegiada em plena zona de planalto, sem grandes elevações e com vertentes suaves, pelos bons recursos fluviais (Mondego e Dão), e abundância de granito, esta é uma região que, há muitos milhares de anos, terá potenciado a ocupação humana. É isso que provam os muitos vestígios arqueológicos ali encontrados. E essa ocupação terá sido contínua, desde os tempos pré-históricos (Neolítico, Calcolítico e Idade do Bronze), passando pelo período de ocupação romana e Idade Média. 

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Íamos ver, sobretudo, antas. Não sendo a Pré-História a época de estudo que mais me atrai, ao invés do meu marido e inseparável companheiro de viagens, que com qualquer 'pedregulho' com história fica fascinado, a verdade é que é quase impossível ficar-se indiferente perante a visão daqueles monumentos tão (aparentemente) rudimentares quanto engenhosos. Na Beira Alta e na Beira Baixa, há muitos monumentos megalíticos, especialmente antas, orcas ou dólmenes, variando o nome consoante a região onde se encontram. Terão sido construídos, maioritariamente, entre o Neolítico Final e o Calcolítico e tudo indica que seriam sepulturas coletivas. Com maior ou menor grau de elaboração, eram feitas com enormes pedras verticais graníticas (esteios), sobre as quais assentava uma laje ainda maior.
 
Entre antas, orcas e dólmenes: na senda do megalitismo
O ponto de partida é na entrada norte de Fiais, junto à casa dos cantoneiros. O rumo é para sul, em direção ao ‘estádio’ de futebol (o das Gândaras), junto ao qual, na bifurcação, se segue no sentido anti-horário com destino ao planalto do Ameal. Pouco a pouco, o cenário vai-se preenchendo com pinheiros (bravos e mansos), arbustos, formações graníticas, e até lajes enormes sobre as quais caminhamos. Começa a ser evidente onde é que os nossos antepassados iam buscar a matéria-prima para as suas megalíticas construções. Outras ruínas de tempos mais recentes vão também aparecendo.

20230223_105741.jpg20230223_110456.jpgA primeira relíquia que encontramos é o Abrigo da Orca. Um abrigo granítico em pala, a qual assenta numa arcadura de proteção constituída por seis esteios. Terá sido utilizado por comunidades pré-históricas, em época não determinada, e, num passado mais recente (sécs. XVI-XVIII), por pastores em sistema de rotatividade (vezeira).

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Avançamos um pouco e eis que surge à nossa frente a monumental Lapa da Orca (ou Dólmen da Orca, ou Orca de Fiais da Telha). Esta impressiona mesmo, seja pela sua dimensão, seja pelo seu excelente estado de conservação, fruto de intervenções arqueológicas. A maioria dos objetos lá encontrados permitiu situar a sua construção no Neolítico Final (a partir de cerca de 3500 a.C.). Outros achados apontam para uma segunda utilização, já na transição para a Idade do Bronze (c. 2400-1800 a.C.). É monumento nacional desde 1974.

20230223_113407.jpg20230223_113500.jpg20230223_112838.jpgSeguem-se as duas orcas do Ameal, ambas muito semelhantes e intervencionadas arqueologicamente nas décadas de 80 e 90. A Orca 1 insere-se no Neolítico Médio (c. 4100 a.C.) e, de acordo com a descrição, terá sido construída cerca de mil anos depois do surgimento das primeiras comunidades camponesas no atual território da Beira Alta.

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O Complexo Rupestre do Ameal é a ‘atração’ seguinte. Ficamos curiosos. Desde logo, porque o termo ‘rupestre’ remete para representações artísticas pré-históricas desenhadas nas rochas. Iríamos ver pinturas rupestres? O que surgiu à nossa frente foi um enorme bloco granítico que, a um primeiro olhar, mais não era do que um ‘pedregulho’ de tamanho XXL. Mesmo ao lado, uma placa informativa garantia que nele constavam “insculturas diversas… representando motivos figurativos associados eventualmente a manifestações de culto ou a certos rituais…”. E foi, então, munidos de um olhar mais analítico e informado que, efetivamente, encontrámos algumas dessas insculturas. Só não lhes conseguimos decifrar significados óbvios. Mas a arte é assim mesmo. Cada um vê o que vê e, por vezes, o que não vê… Em todo o caso, é uma sensação estranha pensar que, naquele exato sítio, há alguns milhares de anos, os nossos antepassados registaram sabe-se lá que mensagens, sabe-se lá com que intenção. Artistas!!

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A paragem seguinte seria num sítio com um nome muito sugestivo. Penedo da Víbora. Um nome associado a uma lenda, pois claro, e uma boa história enche-nos sempre as medidas. E se causar um arrepio ou outro, tanto melhor. Estamos em pleno planalto. O granito é nota dominante. Alguns pinheiros mansos, particularmente bonitos, pontuam a paisagem. O silêncio é quase absoluto. E é neste ambiente que, imponente e quase assustador, se levanta o Penedo da Víbora.
Muda-te em enorme víbora”/ -Disse para a princesa-/ E ao príncipe com dureza:/ -”Muda-te num rouxinol,/ Cantarás de noite e de dia/ Quer chova, quer brilhe o Sol/ Em cima do arvoredo,/ E o castelo que habitais/ Transforme-se num rochedo”. Excerto de versos in Memória e Tradições, recolha de Maria Piedade Alves
Cá está. Uma maldição sobre um príncipe cristão e uma princesa ‘moura’, para castigar egoísmos e orgulhos. Na verdade, o penedo mais não é do que um conjunto de blocos graníticos com uma configuração circular e bastante sugestiva, mesmo a apelar à criatividade interpretativa. De forma mais ou menos incompreensível, até um carvalho solitário se instalou lá dentro.

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Mas qualquer ‘cheirinho’ a sobrenatural provoca em nós sensações estranhas, essa é que é essa, e eu, não sei se levada pela imaginação, se sugestionada pela narrativa, rapidamente me afastei de tão amaldiçoado ‘ninho’. Just in case... Curiosamente, quando, a alguns metros de distância, olhei para trás, o penedo havia-se ‘transformado’ numa enorme rã, mas penso que foi mera imaginação. Ainda assim, é um animal mais simpático do que a víbora…

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Da Estrela à Lousã. Do Vale do Mondego à Estrela.
Estamos a 324 metros de altitude, junto ao Marco Geodésico da Víbora, como é conhecido. O horizonte abre-se à nossa frente num conjunto de vistas que mais parecem telas. De um lado, a monumental Estrela com o seu perfil sério, robusto, inconfundível. Movimentamos o olhar para a direita e lá está um vale, como uma espécie de separador entre montanhas, ao mesmo tempo que assinala a mudança de geologias. Acaba o granito da Estrela e passa-se para os xistos das serras do Açor e da Lousã, por esta ordem. Depois desta pausa, que apetecia prolongar, estava na altura de iniciar a parte dois do percurso, rumo ao vale do Mondego, um dos rios que, a par do Dão, faz o enquadramento da região.

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20230223_125455.jpg20230223_130413.jpgPassamos ainda pela Orquinha da Víbora, ou antes, pelo pouco que resta dela. Um dado curioso relativo a esta orca é que foi ‘descoberta’ duas vezes.  A primeira, em 1987, tendo sido alvo de trabalhos arqueológicos que, nos anos seguintes, ficaram tapados por vegetação, perdendo-se a sua localização. Foi redescoberta em 2009, apresentando fortes indícios de ter sido vandalizada. Melhor nem comentar!

20230223_131210.jpgAté ao Mondego é sempre a descer. E muito. E com um grau de inclinação acentuado demais para os nossos gostos. E com um piso deplorável. São caminhos abertos, com muitas pedrinhas soltas sobre terra batida e com muitos sulcos profundos deixados pelas chuvas. As acácias, ou mimosas, ladeiam estes caminhos e começam já a ficar amarelas, dando um colorido engraçado à paisagem. 

20230223_133654.jpg20230223_134920.jpgNo final da descida, espera-nos o Mondego, o maior rio nascido em território português, na Serra da Estrela. Ladeamo-lo durante algum tempo, embora só o consigamos ouvir, tal a profusão de vegetação da sua ripícola. Em dois momentos, conseguimos ‘furar’ e chegar às suas águas, que correm, ora calmas, ora mostrando a sua força ao abrir caminho por entre as rochas.

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Gosto particularmente dos percursos que incluem rios. Rios são fontes de riqueza e o Mondego é fundamental para o desenvolvimento da região centro, seja para a agricultura e indústria, seja para a produção de energia elétrica e abastecimento público de água. Perante a beleza das imagens proporcionadas por um rio que corre em plena natureza é inevitável refletir um pouco sobre a sua importância para a vida no planeta, desde logo, porque são a principal fonte de água potável para as populações. São também responsáveis pelo equilíbrio de ecossistemas ao fornecerem condições para a existência de um conjunto de espécies, quer de flora, quer de fauna, tão importantes para a biodiversidade.
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Infelizmente, entre fenómenos naturais e intervenção de mão humana, são muitos os danos causados nas nossas zonas ribeirinhas e florestas. Do corte de árvores para aproveitamento de terrenos, à poluição proveniente da agricultura, passando pelos incêndios, muitos são os males que tendem a alterar os desejados equilíbrios. E o vale do Mondego tem sido fustigado por incêndios, designadamente os de 2017, que danificaram uma área bastante significativa da sua floresta, com consequências muito danosas ao nível dos endemismos. Felizmente, a natureza tem tendência a regenerar-se, ainda que nesse processo de regeneração haja espécies ‘oportunistas’, de que as acácias e os eucaliptos são exemplos, que se expandem prejudicando e alterando habitats. Já a giesta-branca, que também surge quase de imediato, segura os solos e prepara-os para o regresso de arbustos e árvores. O Narcissus Scaberulus acabou por também tirar algum partido da situação, já que o desaparecimento de uma grande quantidade de vegetação arbustiva os tornou mais visíveis… 
O Narcissus Scaberulus, o tal que dá o mote a este trilho e que é uma das espécies endémicas que vivem ‘à sombra’ da galeria ripícola do Mondego, uma galeria riquíssima composta, sobretudo, por amieiros, mas também por freixos, loureiros, e outras árvores que dão sombras que abrigam espécies mais pequenas, como a madressilva, a violeta-brava ou o feto-real. 

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Estava na altura de atacarmos a subida de regresso, felizmente, mais suave do que a descida e com paisagens muito bonitas em que o tom lilás das urzes começava já a pintar as encostas. Só faltou ver os ditos  narcisos. Mas o balanço foi positivo e, mais uma vez, reforçámos a nossa convicção de que cada caminhada na natureza é uma aula viva, da qual trazemos sempre novos e bons conhecimentos.

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08.03.23

PR4 PCT: Rota dos Ambientes Rurais


Emília Matoso Sousa
O  percurso
13,80 Km   |   Circular   |   411 m desnível acumulado   |   Grau dificuldade: moderado
Pontos de interesse
Igreja de S. Pedro; Capelas; Laje das Pinguinhas; Açude do rio Dão; Rio Dão; Alminhas
Localidade
Castelo de Penalva | Freguesia do município de Penalva do Castelo de que fazem parte os lugares: Aldeia das Posses, Aldeia de Soito de Vide, Amiais, Cantos, Carvalhal, Carvoeiro, Casal das Donas, Castelo de Penalva, Codornelas, Lages, Lameiro Cavado, Peges, Pereiro, Pousadas, Pousadouros, Portela, Quinta dos Ferreiros, Quinta da Lameira, Quinta da Regada, Quinta do Rio Dão, Quinta da Santa Clara, Quinta do Soito, Quintãs, Sandiães, São Romão, Soito de Vide, Tibães, Vales, Vila Mendo e Vilar do Dão.
 
Rios que vão dar a rios que vão dar ao mar…
Há elementos, como os rios, que dão um charme especial às paisagens. E hoje, íamos andar por perto do rio Dão. É este, aliás, o seu território, e vai acompanhar-nos em grande parte deste percurso, mostrando de que forma contribuiu para o ambiente que o rodeia. Correndo numa área de relevo bastante acentuado, o que faz dele um rio de planalto, nasce no concelho de Aguiar da Beira e encontra o Mondego, de cuja margem direita é afluente, na zona de Santa Comba Dão. Transporta consigo a honra de dar nome a uma região demarcada, o que o associa, desde logo, à produção de vinhos. Vinhos provenientes de vinhas que usufruem de um conjunto de características fornecidas pelo relevo acidentado das montanhas, pelo solo predominantemente granítico e pela larga amplitude térmica da região. Naturalmente, a riqueza do Dão não fica por aqui e isso é algo que conseguimos ir vendo ao longo deste percurso, a começar pelo seu forte contributo para uma biodiversidade em que fauna e flora se conjugam e completam num equilíbrio em que cada elemento tem a sua função e o seu espaço próprios. Florestas de pinheiro bravo, de eucaliptos, de carvalhos ou de castanheiros, mas também áreas de olival, convivem pacatamente com as espécies arbustivas, como os tojos, as urzes, a estevinha, o rosmaninho, entre outras. No outono, predominam os castanhos e os dourados, na primavera, a paisagem adquire uma multiplicidade de cores. Da fauna, à exceção de um coelho ou outro, alguma perdiz ou de ‘pegadas’ que poderão ser de raposa ou javali, apenas conseguimos usufruir do chilrear de uma variedade de aves, as quais não sabemos identificar. Em todo o caso, é bom que a coisa fique por aqui, já que não gostaria de me cruzar com algum exemplar menos ‘simpático’, principalmente daqueles que rastejam… que também os há!

20220413_172028.jpgCastelo de Penalva (não confundir com Penalva do Castelo, sede do concelho, distando poucos quilómetros) é uma localidade muito interessante e que nos recebe com um cartão de visita de luxo. Um enorme painel de azulejos em que estão representados os principais 16 elementos do património religioso das diversas localidades da freguesia. Pintado à mão por uma ceramista da zona, Maria do Amparo, o painel posiciona-se junto a um afloramento granítico, sobre o qual foi construído um miradouro que disponibiliza uma fantástica vista panorâmica sobre o vale do Dão. Maria do Amparo é, aliás, autora de muitos painéis espalhados por todo o concelho de Mangualde. Com ateliê e loja nesta cidade beirã, o seu trabalho, bastante versátil e criativo, merece ser apreciado.  20220413_183557.jpg20220413_181244.jpgComeçámos o nosso trilho junto à Igreja Matriz de Castelo de Penalva, ou de S. Pedro, santo a que é dedicada. A ideia era visitar o seu interior, para apreciar os seus retábulos pintados pela escola de Grão Vasco, bem como os caixotões do teto da sua capela-mor, decorados com os padroeiros e santos das diversas paróquias do concelho. Autênticas obras de arte, mesmo à luz de olhares menos crentes. Infelizmente, estava encerrada, tal como acontece com muitas das igrejas por estas bandas, que apenas poderão ser visitadas mediante marcação prévia. Trata-se de um belíssimo edifício, cuja origem remonta ao século XII, apesar de ter sido demolido e reconstruído no século XVIII com o aproveitamento de algum material original. A visita ficará para outra altura. 20220413_131413.jpgAo percorrer estas aldeias, temo-nos deparado com algumas (boas) surpresas. E Castelo de Penalva é, sem dúvida, um desses casos em que, pelo menos aparentemente, e aos olhos de quem está de passagem, há alguma aposta no bem estar dos seus habitantes. A existência de um espaço, junto à igreja, equipado com aparelhos modernos de ginástica para o usufruto da população é disso exemplo. Um toque de modernidade que, apenas inicialmente, causa alguma estranheza quando comparado com a antiguidade do edifício que lhe serve de cenário e com vista para uma paisagem idílica. Destacam-se também as moderníssimas instalações do Centro Social Paroquial, construídas a pensar na saúde e bem-estar dos respectivos utentes, mas também abertas à população em geral, disponibilizando serviços como a hidroterapia, sauna, banho turco, fisioterapia e ginásio. Mais um apontamento, aparentemente fora do tom, mas a provar que, afinal, boas práticas ainda vão acontecendo por aí…20220413_131640.jpg20220413_131600.jpg20220413_180539.jpgJunto à igreja, há todo um conjunto de pontos de interesse. Uma metrópole medieval, com sepulturas escavadas na rocha, mostra bem a antiguidade daquelas terras; e o Penedo dos Mouros, onde terá existido um castelo, mas onde hoje apenas existem cordas, e de onde se abarca uma paisagem indescritível. 20220413_131837.jpg20220413_131620.jpg20220413_132122.jpgEstava na altura de seguir caminho. Primeiro, dentro da aldeia, seguindo-se os caminhos rurais de paisagem muito diversificada. O trilho conduz-nos através de várias localidades, todas de traça beirã e todas a ostentar com orgulho as suas capelas, igrejas e alminhas, que são muitas. No que diz respeito a património religioso, este é um percurso particularmente bem ‘recheado’. 20220413_132330.jpg‘Pinga’, Bolo de Azeite e Facebook

Na aldeia de Soito de Vide, vivemos uma experiência memorável, daquelas que fazem o dia. Foi numa das não muito raras situações em que a sinalética não é clara e em que vacilavamos entre seguir pela direita, ou pela esquerda, sendo que a direita nos apontava um caminho que era, supostamente, o quintal de uma habitação. É verdade que muitas vezes temos de atravessar propriedade privada (faz parte destes caminhos), mas… um quintal??? E eis que apareceu uma senhora d’un certain age e nos confirmou que era mesmo por ali. Antes, porém, de nos deixar avançar, perguntou se não queríamos ‘pinga’. Pergunta meramente retórica, já que imediatamente entrou em casa, de onde regressou com dois copos de vinho na mão.  Educadamente e, confessadamente, de bom grado, aceitámos. E também tivemos de aceitar bolo, ou folar, de azeite, uma iguaria de Páscoa muito típica na Beira Alta. Para comer ali e para levar para mais tarde. Ainda fomos convidados para a caminhada anual, organizada pela comunidade local (Junta de Freguesia e Associações) e pelo município de Penalva do Castelo, que seria dali a poucos dias, convite que, lamentavelmente, não pudemos aceitar. E quando perguntámos como poderíamos informar-nos acerca das datas daquele tipo de eventos, a resposta veio rápida: “Vem tudo no Facebook. Os senhores não têm Facebook?”. E com esta nos fomos!20220413_140910.jpg20220413_141317.jpg20220413_141952.jpgEntre área florestal, campos de cultivo ou breves troços de estradas secundárias, fomos passando por localidades com pormenores muito pitorescos (e pictóricos, by the way). 

20220413_134325.jpg20220413_143544.jpg20220413_144405.jpg20220413_145019.jpg20220413_145111.jpg20220413_145838.jpgChegámos à Lage das Pinguinhas, nome que encerra uma lenda, pois então. Consta que Jesus Cristo derramou ali várias pingas de sangue e que as mesmas ali ficaram marcadas. Como não acreditar?

20220413_150540.jpgSeguiu-se o Açude de Cantos. Um espetáculo! Este açude do rio Dão está enquadrado por uma envolvente paisagística de enorme beleza natural e convida a perder ali algum tempo… apenas a observar e a ouvir a água a cair. Ao ver as águas dos rios a correr com tanta força, é quase fácil entender como eles são também geradores de energia. Mais romanticamente falando, ainda são visíveis os restos de umas antigas poldras por onde antigamente se atravessava o rio. Sem dúvida, o ponto alto do percurso.20220413_152909.jpg20220413_153438.jpg20220413_153635.jpg20220413_153720.jpgEm Cantos, uma antiga escola primária leva a nossa imaginação até ao tempo em que aprender a ler era um luxo acessível a muito poucos. Que brincadeiras terão acontecido naquele recreio? Quantas reguadas terão sido dadas naquelas salas? Já fora da localidade, as ruínas de uma antiga capela (a do Divino Espírito Santo) contam-nos que conforto espiritual foi coisa que nunca por ali faltou.

20220413_160614.jpg20220413_161457.jpgSeguimos por uma estrada ladeada por afloramentos graníticos de tamanho bastante generoso. São muito comuns por estas zonas e, se nos detivermos a observá-los, facilmente, e com alguma imaginação, lhes encontramos parecenças, ora com elefantes, ora com leões, com focas, e com outros animais. São, de facto, bastante estimulantes para a nossa mente. Um pouco como as nuvens. 20220413_161946.jpg20220413_162128.jpg20220413_163705.jpg20220413_163352.jpgAmiais, que também atravessamos e que avistamos de um plano superior, oferece-nos uma imagem muito bonita feita de muitos telhadinhos.  

E seguiu-se novo encontro com o rio Dão. Agora, numa versão diferente, a serpentear majestoso no meio da sua fantástica galeria ripícola. Pintado com o azul do céu, que estava magnífico, forneceu-nos mais um momento de paragem muito agradável. Estávamos sobre a ‘ponte romana’, outra atração local. A designação ‘romana’ deve-se ao facto de ser constituída por um arco único de volta inteira, tal como os romanos faziam.

20220413_173139.jpg20220413_172718.jpg20220413_172945.jpg20220413_174340.jpg20220413_175748.jpgA empreitada estava a chegar ao fim, apenas nos faltava fazer a grande ‘rasgadinha’ do dia… por uma estrada romana, o que só demonstra que para se usufruir de coisas boas, por vezes, é necessário fazer alguns sacrifícios. Ou, numa versão mais moderna, “não há almoços de graça”.20220413_181250.jpg