PR7 PCT: Trilho de Castendo
À espera da sagaz raposa…
É junto ao Pelourinho, no centro de Penalva do Castelo, que o percurso começa. Por estar a decorrer a Feira Anual do Pastor e do Queijo, havia festa na vila com direito a transmissão na TV e tudo, com as ‘vedetas’ do Somos Portugal a garantir animação da boa. Sem dúvida, um momento alto e sempre esperado na agenda cultural desta região do país. Deixámos os queijos e outras iguarias para depois e iniciámos o nosso caminho.
Contornámos o alto muro da Ínsua em direção à Mata de Nª Srª de Lurdes que, pela sua beleza e riqueza está classificada como Imóvel de Interesse Municipal. A mata estende-se pela encosta de um monte numa área que, em tempos, pertenceu à Casa da Ínsua e onde ainda existe um edifício torreado que ostenta a flor-de-lis das insígnias da família. Repleta de pinheiros mansos, mimosas, carvalhos e medronheiros, esta é uma zona verde idílica e muito utilizada pelos locais para passear ou fazer exercício. E foi por este cenário belíssimo que descemos até ao rio Coja, cujas margens contam com uma magnífica galeria ripícola, composta de amieiros, salgueiros e freixos que, refletidos no espelho de água, proporcionam imagens que mais parecem fotografias. Prometia-nos o folheto do trilho que, em certos dias, poderíamos ter a sorte de “apreciar uma sagaz raposa a saciar a sede”. Não tivemos essa sorte! Mas, com ou sem raposa, vale a pena perder ali algum tempo e, para quem gostar de fazer piqueniques, até há um parque de merendas com mesas e cadeiras em granito. Um luxo!






É também aqui que se encontra uma gruta-santuário, construída em homenagem a Nª Sra de Lourdes que, em 1958, terá aparecido (para os crentes), em França, a uma menina de 14 anos, Bernardete Soubirous, informação inscrita na própria gruta. As flores e as velas ali depositadas traduzem bem a devoção popular ao culto mariano. Mas há mais. Num plano um pouco acima, uma pequena capela oratório evoca o momento das aparições de Lourdes através de um imponente painel de azulejos. Para que conste, foi mandada erigir em 1909 por Manuel de Albuquerque, da família proprietária da Casa da Ínsua, como agradecimento pelo restabelecimento de sua mãe “victima de grave desastre, a 16 de Junho de 1907, na cidade de Paris”.


Deixada para trás a mata, entrámos em caminhos rurais. Entre subidas e descidas, por vezes bem rasgadinhas, passamos ao lado de campos cultivados, vinhas e pinhais. Estamos em plena região do Dão e com frequência somos presenteados com a visão de vinhas imensas. Há trabalhos em curso em algumas áreas florestais. Limpeza, recolha de madeira, abertura de novos acessos… trabalhos que, com alguma frequência, danificam as placas sinalizadoras dos percursos, deixando-nos completamente desorientados. Sem GPS ou sem um mapa pode ser problemático. 



A última subida do percurso conduz-nos à Casa da Ínsua, a qual, só por si, justifica uma deslocação à vila. Desde logo, pelos seus fantásticos jardins divididos entre geométricos, a la Versailles, e os menos formais, à boa maneira inglesa. Também conhecida como Solar dos Albuquerques, numa alusão ao seu dono original, que a mandou construir no final do século XVIII, Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, a Casa é considerada, e quem o diz é Direção-Geral do Património, “um dos mais significativos solares barrocos do nosso país”.




A Casa da Ínsua ainda se mantém na família, mas é, atualmente, um hotel de charme, o único português a fazer parte da rede de paradores espanhola, estando integrado na cadeia Montebelo. Com muita História e muitas histórias, até porque é também um núcleo museológico visitável, esta é uma visita mais do que recomendável. Infelizmente, devido aos tempos de confinamento, na altura ainda parcialmente em vigor, estava encerrada.

























Depois de vários trilhos por zonas rurais ou florestais, começamos a questionar-nos se não correremos o risco de achar que estamos a fazer 'mais do mesmo'. Depois de caminharmos dias a fio pela mesma região, haverá ainda percursos diferentes? Haverá mais alguma coisa que nos surpreenda? A verdade é que não há dois trilhos iguais. E cada um tem especificidades surpreendentes. O de hoje, entre outras coisas, ficaria na nossa memória como aquele em que um cão pouco simpático quase nos fez voltar para trás. Valeu-nos a 'aparição' milagrosa de um senhor que subornou o animal com um pouco de comida para, também ele, poder avançar. Ficou a dica. Quando há rebanhos, como era o caso, há cães de guarda, por vezes, soltos e sem pastor por perto. E um Serra da Estrela tem tanto de bonito como de assustador. Especialmente, quando nos aparece à frente, sozinho e a ladrar furiosamente. Seguimos por caminho antigo murado, com campos cultivados de um lado, e casas com pequenas hortas, do outro.

Todo o conjunto era visualmente muito bonito! Pequenos olivais, árvores de fruto, pequenas áreas de pastoreio, pinhais, hortas de subsistência. Alguns terrenos, impecavelmente tratados, outros, nem tanto, o que leva a pensar o quão duro deve ser, pela deslocação que implica, mantê-los em condições... O senhor com quem nos tínhamos cruzado era um desses resistentes, mas, segundo o próprio, não por muito mais tempo.








E chegámos a Guimarães de Tavares, onde iríamos descobrir a razão do nome do trilho: Gil Vicente. A resposta estava na Quinta da Cerca. Um espaço murado, dentro do qual se destaca um solar rústico do século XVI, de caraterísticas beirãs, como seria de esperar. Reza a sua história que, em tempos, dava pelo nome de Quinta do Bem Viver e é fácil perceber porquê. Apesar de inserida na pacata aldeia, tem como horizonte uma paisagem deslumbrante, em que a imagem da imensa vinha de castas do Dão só é superada pela imponência da Serra da Estrela.


A Quinta da Cerca merece uma visita. Não apenas pela casa em si, mas também pelo fantástico jardim. Uma grande mancha verde marcada pela graciosidade dos recortes do buxo, mas também por árvores de grande porte. As cameleiras, agora sem flores, dão a pedra de toque. Segundo nos disseram, na época da floração, as camélias, ao caírem, formam autênticos tapetes coloridos para deleite dos visitantes do espaço. Todo o edificado dá sinais de que foi reabilitado e modernizado, tendo havido o cuidado de manter a traça original.

Como é comum a grande parte dos solares beirões, também este permanece na mesma família desde o início. Por isso, não devemos estranhar que, fruto de várias uniões, por lá tenham passado apelidos como Henriques, Abranches, Cabrais e, atualmente, Soares de Albergaria. A casa é, agora, utilizada para eventos, sob o nome de À Beira de Gil Vicente.

A caminhada estava a chegar ao fim, mais uma com balanço muito positivo e, podemos dizê-lo, com 'dramatismo' em dose dupla. O da visão soberba da serra mais alta de Portugal e o de Gil Vicente, que em tanto contribuiu para as artes dramáticas no nosso país.










Termas de Alcafache - Águas que se perdem no tempo





